quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Pré-Natal

Foto: Thiago Lopes
Vou eu dirigindo "rumo ao meu rumo". Precisava muito entrar à direita na rua principal. Apesar do meu carro piscar insistentemente sua seta sedutora, demonstrando a intenção de mudar de faixa, os carros ao lado ignoravam. Seus condutores deveriam estar com as mentes ocupadas por providências a tomar, não tinham tempo para seduções e gentilezas. Opa! Uma possibilidade agora, depois daquele carro branco. Agora dá. É agora ou nunca. It's now or never. Virei, não antes de levar uma buzinada da moça do carro cinza. Ela estava no tal do ponto cego. Que dizem que existe e existe mesmo. A gente não vê o ponto, então não entendo como um ponto que ninguém vê ao certo pode-se afirmar que seja cego, mas as coisas desaparecem mesmo misteriosamente naquele lugarzinho do retrovisor. São abduzidas e reaparecem depois, quase sempre acompanhadas de freadas bruscas ou buzinadas. Nesse caso foi só a buzinada mesmo. Mas foi uma buzinada leve, até mesmo aveludada. Apenas uma pequena advertência, gentil, um simples bibip, como quem diz: "Cuidado, você tá ameaçando invadir meu espaço, posso até bater em você se eu quiser, mas não o farei porque sou gentil e tenho uma buzina educada". Ainda bem! Poderia ser outra buzina qualquer, como aquela que ouvi em outro momento; mas não pra mim, no caso. Era uma buzina irritada e irritante, que berrava de forma estridente na traseira de um carro indeciso que vacilava em entrar, ou não, no estacionamento pago.
Quis gritar para o homem... Homem, não entre neste estacionamento pago! Jamais! Eu já cometi esse grave erro. Só de entrar você fica falido. Quando o Natal está chegando você precisa priorizar; ou paga o estacionamento ou faz a ceia, os dois não dá. Se pagar o estacionamento, comprar presentes fica inviável. Exagero meu pensar assim. Aliás, ser exagerada nos meus pensamentos é uma especialidade que desenvolvi. Pensei então na roupa que deveria usar numa confraternização à noite, nesta meia estação - meio calor extremo, meio extremo calor. 
Peço desculpas a quem achou que vou dar à luz por causa do título do texto. Não estou grávida, nem fazendo este tipo de pré-natal. É que esse período do ano é quase um parto. Mas é só uma preparação para o Ano Novo, onde a gente renasce com nossas promessas e planos que, quase sempre, serão esquecidos. Mas desta vez não (é o que sempre digo, tenhamos fé). 

Anita Safer

sábado, 1 de dezembro de 2018

Mudança de hábito

Foto: Liana Rocha (com Isabela)
Muita gente aqui deve ter assistido ao filme Mudança de Hábito. É com a maravilhosa e incrível Whoopi Goldberg. Eu lembrei dele porque, gente, é muito difícil mudar um hábito. Sei do que estou falando. Eu tento, tento, e quando vejo tô eu lá de novo, nos velhos, ultrapassados e conhecidos hábitos. E olha que a minha lista de hábitos pra mudar é extensa. Vou citar só alguns, pra não cansar vocês...hehe.
Hábitos alimentares... afff... por que chocolate tem que ser escandalosamente mais gostoso que um brócolis? Por que há seis mil anos os egípcios misturaram farinha com água e inventaram a pizza? E os portugueses, danadinhos, ainda trouxeram as empadinhas pra cá. Galera, o mundo inteiro se une pra dificultar a sua vida, desde que o mundo é mundo. Como se não bastasse, aqui mesmo no Brasil, em 1940, em uma campanha com o intuito de promover a eleição do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da república os moradores de Pacaembu criaram um doce pra vender e arrecadar fundos e esse doce passou a ser chamado como? de brigadeiro. Fala sério! E eu aqui... na luta. 
Mas não é só esse hábito que tenho pra mudar, quem dera fosse. Tenho outros, tipo, me preocupar demais com tudo o tempo todo. Meu filho viaja pro exterior e manda uma foto todo feliz em um bar estiloso. O que eu vejo? Que ele está de camiseta enquanto o cara na mesa de trás está todo empacotado, de gorro, casaco e sabe lá mais o que. Aí eu jogo aquela indireta: "Humm, parece que o frio resolveu dar uma trégua...". Então eu lembro a tempo que estou sendo um pouco ridícula e foco no sorriso lindo dele (isso já é fruto de um trabalho incansável que tenho feito pra brecar as preocupações...rs). 
Voltando um pouco ao filme, a personagem da Whoopi precisa se esconder em um convento. Ela é chave de cadeia, aquela pessoa que vive se metendo em enrascadas e, pra sua proteção, é escondida lá pela polícia. Então ela vai reger o coral e blá blá blá, vocês já devem saber. Mas olha que interessante. Pra sair da vida que ela tinha foi preciso que ela fosse exposta a um outro estilo de vida. Acho que ela adotou um "novo hábito" (aqui cabe mais de um sentido). Dizem que o segredo é esse mesmo. Para mudar um hábito não adianta entrar no fight com ele, ele pode ser mais forte que você; é preciso aderir a um novo hábito, mais saudável do que aquele que te aprisiona e prejudica. 
Não que eu precise comer brócolis nas festinhas infantis no lugar do brigadeiro, mas posso priorizar os alimentos saudáveis. Quanto aos pensamentos eu posso substituí-los por outros mais agradáveis no momento em que eles surgirem. E fazer assim com cada hábito a ser mudado, aos poucos, mesmo escorregando, às vezes. A própria atriz falou sobre dificuldades quando entrevistada: "Tomar uma atitude é difícil, mas sabe o quê? Aguentar uma situação ruim pode ser um inferno".

Anita Safer

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

"Spairecendo"

Escrevo de uma pousada em Pirenópolis/GO. Minha vó Chiquinha tinha uma frase engraçada, mas sábia, que dizia:  "Besta aqui, besta em qualquer lugar ". Uma forma simples de dizer que não adianta mudar o cenário, pra onde você vai você leva quem você é. Mas às vezes é muito bom  (e necessário) ser besta em outro lugar...rs. Foi assim que vim pousar aqui por uns dias . Depois de um tempo sem sair, bateu a vontade. 
Me sinto como se estivesse num spa ..."sparramada" na cama, sem compromissos, sem hora pra nada. O café da manhã se materializa sem que eu mexa um dedo, parece um sonho.  Leio com calma um livro, ouvindo apenas os pássaros escandalosos da região. A cidade está linda e calma. 
Pra manter minha tradição pessoal em viagens, fiz duas coisas que sempre procuro fazer. Fui à missa e ao cinema. Engraçado porque não costumo ir à missas, mas não resisto às igrejas de outras cidades. E lá estava eu, rezando ao som da Sandy. Sério, a moça que cantava tinha a voz igualzinha à da Sandy. Fiquei naquela expectativa de fazer coro em "...se a lenda dessa paixão...". Mas o repertório era outro, bonito também, com aleluias e hosanas. 
No cinema uma apresentação gratuita do filme O Palhaço. Adorei. Não tinha assistido ainda. 
E tudo tem sido tão bom. Tão em paz e revigorante, que estou feliz em ter vindo ser besta em Pirenópolis. A mente precisa de uma pausa das mesmas paisagens, assuntos e preocupações. 
Até animei. Já quero pensar em outros lugares pra "bestar".

Anita Safer

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Nossos sentidos

O rádio do carro tagarela sem parar. Diz que parece que não vai chover tão cedo. E tome notícias de política, promoções e brindes. A mente se desdobra entre o trânsito, os assuntos que a emissora despeja e os pensamentos que pulam de lá pra cá e de cá pra lá. Então toca uma música e aquela música te desperta um sentimento. "Acho que estou apaixonada. Ops... nem tô!" Mas a música faz com que me sinta assim; então, deixa rolar. As cigarras cantam desesperadas, quase estourando, tentando anunciar a chuva que a emissora de rádio acredita não estar próxima de chegar. Na rede social uma música do Beto Guedes me faz lembrar de quem ainda sou. Muito em mim mudou, mas o Beto permaneceu (danadinho!).
Em momentos de ansiedade apertar as bolinhas de um plástico bolha
trazem uma sensação incrível.
Não adianta mentir, sei que muita gente não pode ver um plástico desses. Pode até rolar um fight pelo seu domínio...hehe. São as sensações que o tato trazem. Uma toalha macia, o pelo de um animal (desaconselho leões e afins...rs)...
Os olhos são as janelas da alma, dizem. É bom quando nossas janelas estão abertas para as coisinhas lindas da vida. A visão de uma criança feliz, uma paisagem bonita, as pessoas que amamos.
No meio da estrada havia uma fábrica de café e aquele cheiro incrível nos remete ao aconchego de um lar, que pode ser o nosso, algum lar cristalizado nas lembranças de infância, uma cafeteria. Algum momento em que nos sentimos alimentados com aquele aroma como pano de fundo. E olha que nem sou muito de tomar café, mas vamos combinar, aquele cheiro vale, por si só.
E os sabores? Aquela sopa de ervilha num dia de chuva. O sorvete devorado do pote, naquele momento de fúria e desencanto. O bolo da Maria (quem conhece sabe), que se faz presente em momentos de alegria, especialmente pela sua doce presença.
Os sentidos também podem trazer lembranças ou sentimentos ruins. Não há nada de legal em ver uma barata olhando pra você com aquela superioridade de quem vai te nocautear com um voo certeiro. Quando algo não cheira bem (pode ser em sentido literal ou figurado). Aquela comida que te juraram que era uma delícia... Só que não!!! E o que dizer do barulho de britadeira às oito da manhã de um sábado qualquer te tirando o sono e o humor? Passar a mão, por engano, em um tecido que te dá gastura... Arghhh!!!
Quando as coisas estão difíceis - e elas teimam em ficar - são esses sentidos associados ao bem estar que podem nos salvar. Podem transferir nossos pensamentos ruins, pelo menos por uns instantes, para breves momentos de paz e prazer. Nossos sentidos são tão importantes que quando somos privados de algum os demais tentam compensar. 
Acho que na verdade os sentidos fazem muito sentido.

Anita Safer

domingo, 16 de setembro de 2018

Um brinde às gentilezas

Foto: Clélia Parreira
Acordei. Não muito cedo; o dia de domingo traz consigo algumas concessões. Permite que você faça seus horários. Também não acordei muito tarde. Foi no momento certo. Momento exato de atender ao telefone. Do outro lado da linha a voz doce e linda da minha doce e linda irmã me convidou para um café da manhã em sua casa. Que convite gentil, pensei. Que coisa mais mimosa! Achei ainda mais mimoso e gentil quando soube que o café da manhã era pra uma sua amiga querida, que estava fazendo aniversário. Claro que fui. Dificilmente recuso um convite gentil. Também não resisto a comidas e companhias gostosas...rs
A mesa posta demonstrava todo o carinho que a ocasião sugeria. Papos fluindo. Geleia pra lá, pão de queijo pra cá. Cheiro gostoso de café. Então o interfone toca. Era o filho de uma outra amiga da minha irmã. Como ela não poderia estar presente, enviou pelo filho uma garrafa de espumante, para que fizéssemos um brinde. Fiquei encantada com a delicadeza do ato, com a atenção, com a... GENTILEZA.
Pessoas gentis prestam atenção nas outras. Buscam estar sempre presentes na vida das pessoas que lhe são queridas. Não falo da gentileza polida, das pessoas formalmente educadas. Falo das pessoas sinceramente gentis. Elas encantam sem alarde. Afagam a alma do outro com delicadeza. Transformam momentos simples em um verdadeiro brinde à vida, à felicidade, à amizade. Soube que ela é uma pessoa atenta e que traz consigo essa qualidade rara de valorizar o outro. 
Faço então um brinde: Que as pessoas gentis se multipliquem no mundo. Que a gentileza se espalhe como um vírus do bem, contaminando, se multiplicando. Que a gente receba e ofereça cafés maravilhosos. Que brindemos com as taças valorosas dos bons sentimentos, que nossa presença seja sempre sentida na vida de quem amamos. Assim tudo fica melhor. TIM TIM!
Foto: Arthur Sousa



Anita Safer

sábado, 18 de agosto de 2018

Vai que é tua...

Foto: Alexandre Romero
Quando eu ainda era uma "xóvenzinha" jogava handebol no time da escola. Por cinco anos fui goleira titular. Goleira sim... Estou ouvindo risadinhas? Ouço hahaha? Ouço kkk? Mas é sério. Não sei como isso aconteceu. Sou muito baixinha e muito míope. Tinha que jogar sem óculos, ou seja, só via a bola quando ela tava na minha cara, quando percebia um ventinho dela passando por mim e indo pro gol ou a sentia arrebentando meus peitos. Mas treinava muito as bolas altas pra não ser muito humilhada. Dava uns voos aleatórios pra tentar pegar algo na sorte. Escola é assim, insistem em te colocar em situações vexaminosas. Mas era divertido. Por que lembrei disso mesmo?...
Tá, lembrei. Estava passando por uma quadra de esportes e parei. Parei porque os ipês amarelos floresceram. Parei porque um banco me convidou, galantemente, para que eu me sentasse. Não resisti. Na quadra de esportes em frente ao banco rolava uma partida de futebol. Eram alguns homens e alguns meninos. Eles se misturavam, ora eram homens/meninos, ora meninos/homens. Mas não vi meninas, o que lamentei. Talvez fosse minha missão ser a mulher/menina que faria parte daquela cena. E no corre pra lá e pra cá do jogo algo chamou minha atenção. O goleiro. Ah, esses goleiros são mesmo umas peças raras. Ele era pequeno, devia ter uns oito ou nove anos. Ostentava uma linda e nova luva de goleiro. Ressalto que todos os demais só estavam com aquele uniforme tradicional de peladas informais (os com camisa e os sem camisa). Mas o pequeno goleiro estava lá, todo garboso, com suas luvas. O interessante é que ele não se conformava em ficar no gol. Ele ia da defesa pro ataque, corria junto com o contra-ataque e eu pensava... "Meu Deus, ele está atacando a si mesmo... Parece mais uma doença autoimune". Esses goleiros! Ninguém, além de mim, se preocupava com isso. O mais incrível é que estando ele no gol, ou fora dele, parava tudo e ficava olhando pra suas luvas. Extasiado. Perdi a conta de quanto estava o jogo, quantos gols ele levou, evitou ou tentou fazer. Só via sua alegria em estar jogando com suas lindas luvas novas.
Me peguei pensando em como sou assim, às vezes. Quero estar em mil lugares ao mesmo tempo, fazer diversas coisas. Meio "sem noção" em alguns momentos, sem saber que tenho que ficar no meu lugar...rsrs. Quem nunca, não é mesmo? Mas, assim como aquele menino, às vezes paro pra ver as coisas maravilhosas que tenho em minhas mãos. Meus bens mais preciosos estão juntinhos a mim. Todos e tudo que amo. Aí eu vejo que a vida é mesmo um jogo. Ouço até Elis Regina cantando - com aquela voz de diva - em minha cabeça "Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar..."

Anita Safer


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Clicando e aprendendo

Já comentei algumas vezes aqui que costumo sortear alguma atividade nova pra fazer a cada ano. Este ano sorteei aprender coisas pela internet. Dizem que a rede tem um "mondicoisa" que não presta. E é verdade, tem mesmo, quem vai negar? Mas tem muita coisa legal. Tantas que não consegui me fixar  em uma só. 
Um dia comecei a fazer Tai Chi Chuan com o mestre "X". Mas também achei legal fazer ginástica com a mocinha jovem e sorridente. Ela sorria de lá e eu me esbaforindo do lado de cá (mas tentando sorrir pra ficar simpática que nem ela, já que não conseguia reproduzir a silhueta sarada). O crochê eu já tinha me aventurado um tempo atrás. O primeiro sapatinho de crochê que fiz foi puramente emocional, quis fazê-lo pra presentear um amigo querido, que ia ser pai. Desculpa, Lêu! Ficou horrível, mas foi de coração. Eu sempre acho muito legal quando recebo presentes feitos pela pessoa. Acho fofo. Carinhoso. Então, de vez em quando, tento presentear alguém com algo que fiz. Lembro que a minha primeira investida neste campo foi quando eu era criança e tínhamos que fazer um presente de argila pro dia das mães. Enquanto as coleguinhas confeccionavam lindas pulseiras e cinzeiros eu mandei ver numa escultura. Era pra ser um lindo rosto, mas virou uma espécie de carranca, que afastava todo o mau olhado (e os bons também...haha). Mas quanto ao crochê eu até que aperfeiçoei um pouquinho. Fiz uma roupinha pra minha neta Isabela, que tem o dom de deixar qualquer roupa linda de morrer. Modelo profissional é outra coisa...rs
Então resolvi aprender sobre Einstein e a Teoria da Relatividade. Descobri que tudo é relativo. Existem duas pessoas, um saca de exatas e tem um raciocínio lógico e a outra sou eu; logo, aprender sobre física é uma coisa relativa - ou seja,  não entendi absolutamente nada, ou "relativamente" coisa alguma. Fui fazer um curso de empreendedorismo, mas ele exigia uma certa disciplina que minha mente se recusa a seguir. 
E o ano continua. E tome sites de receitas, como tirar a sujeira do microondas. Tutoriais de maquiagem, de costura, artesanato, jardinagem, marcenaria... Aff... Fico louca!
Seguirei até o final do ano tentando aprender uma coisinha aqui, outra ali. E ano que vem os papeizinhos do sorteio dirão qual será a minha nova aventura.

Anita Safer

Era pra ser um bom dia

A senhora caminhava a passos rápidos. Era sua caminhada matinal. As bochechas estavam rosadas pelo visível esforço. Assim como era visível o esforço da calça legging em conter os quilos a mais que ela buscava eliminar. Distribuía bons dias a todos. Recebia de volta variados tons de bom dia. Uns sorridentes, outros reticentes... Alguns não combinavam com o rosto - enquanto a voz dizia bom dia os olhos não ocultavam o dissabor - mas respondiam, afinal, era isso o que se esperava.
Ao passar pelo rapaz, jovem ainda, ela escolheu o melhor sorriso e despejou um sonoro... BOM DIA!
Ele seguiu seu caminho. Nem um bom dia, nem um olhar, nem um sorriso. Ignorou seu sorriso, suas palavras, sua legging contida... Ignorou.
No mesmo instante a decepção tomou conta do sorriso da mulher. Dos lábios onde habitavam os bons dias saíram palavras ditas como que para si mesma:
- Juventude mal educada!!!
Ela não percebeu que ele havia respondido sem palavras. Não percebeu a mochila, aparentemente, pesada que ele carregava nas costas. Sabe-se lá quanto peso ele carregava nas costas! O olhar dele fixo no chão. A silhueta curvada,  quase dando um nó, como se buscasse a posição fetal. Não pode ver os pensamentos flutuando em volta daquela cabeça jovem. Ele não usava legging. Não era a calça que o continha, mas todo ele estava contido. Absorto em seus pensamentos. Talvez pensando em muitas coisas, talvez não pensando em nada. Ele era jovem, sim. Talvez não fosse mal educado, ou talvez fosse... Vai saber.  A mochila podia estar pesada ou vazia. Ele pode nem ter escutado o bom dia, ou ter mesmo ignorado. Mas ele não precisava ser o motivo de fazer com que ela descesse do céu ao chão. Aquele julgamento meteórico que condenou toda uma juventude ao rótulo de mal educados foi um indício de que, além de estar usando uma  legging, talvez ela carregasse nas costas também uma mochila invisível, pesada, buscando sentido e alegria em uma caminhada e em uma boa dose de bons dias. Nem todos os dias são bons, nem para a moça da legging, nem para os que andam reticentes, menos ainda para os que ocultam o dissabor, nem para o jovem da mochila. Eu e você também não temos todos um bom dia, mas temos aqueles momentos em que despimos as leggings e nos livramos do peso nas costas. Aí sim, podemos dizer com sinceridade... Bom dia!

Anita Safer

domingo, 1 de julho de 2018

Um viva pra Laura e um pra São João!

Foto: Célia Gatinho
Minha amiga "gêmea" Sílvia me convidou para a festa de São João de sua família. Amiga gêmea? Você pode perguntar. Te respondo. Nós temos uma história de vida muito parecida, traços de personalidade similares e diversas vezes o que acontece com uma acontece com a outra. Um dia mesmo eu tive que tirar duas pintas do rosto e uma semana depois encontrei com ela; ela tinha tirado as - exatas - duas pintas do rosto também. Eu brinco com ela que se uma morrer a outra já pode encomendar o caixão...hehehe. Mas que Deus adie bastante esse dia!
Voltando à festa. Achei muito linda a ideia, pois foi uma forma que ela encontrou de resgatar uma tradição familiar (ela também curte tradição familiar, igualzim eu...rs). A mãe dela fazia essas festas para congregar família e amigos e homenagear o santo que, em seu entender, favorecia a paz e a harmonia nos lares. Sílvia resolveu aproveitar a ocasião e comemorar os nove meses de sua neta, Laurinha.
Estava tudo maravilhoso na festa, a decoração linda, forrozim tocando, comida boa e farta. Tudo estava realmente bem. Quer dizer, quase tudo. Laurinha, a pequena aniversariante, estava abatida. E junto com aquele jeitinho desanimado o termômetro subiu e subiu. Lá vão os pais com a criança pro pronto socorro. Uma otite, era o diagnóstico. Porém, a criança que saiu do salão abatida já voltou com a carinha animada. E logo estava ensaiando palmas nos parabéns, querendo pegar a vela acesa do bolo... do jeitinho que criança deve ser.
Mas toda festa tem seu ponto alto. Quando a mãe de Laurinha veio se despedir de mim, a pequena se jogou em meus braços. Foi ideia dela, pois eu queria enchê-la de beijos e abraços mas sei que criança tem querer e que a coisa não funciona assim. As pessoas em volta ficaram olhando. Laura é super simpática e sociável, mas não costuma ir no colo de quase ninguém. Ela é extremamente criteriosa e eu fui agraciada com aquela iniciativa morta de fofa. Com ela no colo eu cantava músicas de forró e ela cantava junto... Dá...Bê...Dábá... Seja lá como fosse aquela língua que ela falava, o fato é que tava uma "corralinda". Fiquei pensando na simplicidade das crianças, que conseguem viver cada momento como único. Antes ela estava abatida e doentinha, mas depois de medicada e sem dor a alegria voltou instantaneamente. Acho que Laura já passava ali para todos seu primeiro ensinamento. Nada de ficar eternizando momentos ruins! Passou o sufoco, bola pra frente!
Fiquei pensando que Laura deve ter confiado em mim porque sou mesmo amiga gêmea da avó dela, então pode ser que ela tenha se sentido um pouco minha neta também. 
Então uma música falando sobre paz e amizade foi cantada por todos e rosas brancas foram distribuídas.
Voltei para casa carregando todos aqueles símbolos de paz e acordei ainda sentindo o carinho de Laura, que foi o milagre que São João me reservou.

Anita Safer

quarta-feira, 13 de junho de 2018

E o título?

Foto: Liana Rocha
Lá vem a Copa do Mundo. Uns gostam, outros não e fica aquela coisa de sempre. Tem gente que curte porque vai ter umas folguinhas no trabalho ou na escola. Alguns dizem que é o tal do "Pão e Circo", quando o povo fica alienado com as diversões e esquece os problemas sérios do país. Mas tem também aquela galera que fica nacionalista e pinta tudo de verde e amarelo. Aí rola aquela reunião para assistir junto aos jogos do Brasil e é uma farra só. A mídia não tem mais outro assunto e agora a gente vai falar de Rússia à exaustão. O que comem, como vivem, como se divertem, a coisa também tá russa por lá?
Eu acho que todos estão certos cada um à sua maneira. Quem não curte, não curte. Tem todo direito. Quem curte, curte. Tudo bem também. E eu? 
Eu continuo sendo eu e adoro - além de esportes - um sorteio. Aí o que fiz... São 32 países disputando. Selecionei 32 amigos e sorteei um país pra cada amigo. Presentearei o vencedor com uma caixa dos meus deliciosos bombons Pitaco.
Soltei a brincadeira para os eleitos no zap e tá a maior bagunça nos diversos grupos. Algumas indignações, tipo, "Você mexeu essa caixa direito? Nem sabia que Marrocos disputava a Copa!". E começaram a chegar sugestões: "Que tal cada um de nós pesquisar sobre o país recebido e postar curiosidades por aqui no formato Você Sabia?". Logo algumas coincidências começaram a acontecer, como o caso da minha amiga que tirou a Tunísia e a filha dela está fazendo um intercâmbio em Malta, que fica do ladinho. Eu mesma me lasquei, tirei a Suíça, primeiro adversário do Brasil. Então o jeito é torcer pra rolar chocolate, se não for Pitaco que seja suíço...hehehe.
Já o Geraldo, de 4 aninhos tirou o Brasil. Logo... #somostodosgeraldo.
É isso aí pessoal. Cada um defende a sua bandeira, seja ela qual for e nada de pendurar as chuteiras antes do apito final...rsrs.

Anita Safer

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Sou Magali, e você?

No meu aniversário ganhei de uma amiga uma caixa de chocolates finos junto com uma bonequinha da Magali. O embrulho tava impecável. Essa mesma amiga me disse há um tempo atrás que o presente pode não ser grande coisa, mas a embalagem tem que ser caprichada, pra dar aquele charme. Mas no caso tudo estava um luxo. A embalagem e o conteúdo dela. Até porque os dois presentes que a embalagem continha conversavam entre si. Bombons e Magali. E os dois conversavam comigo, formando um diálogo coerente. Amei o presente, porque só uma pessoa que te conhece muito pode reconhecer com exatidão qual personagem de desenho infantil te representa. Embora eu sonhasse em ser a Mortícia Adams (minha diva absoluta... linda, alta, magra, amada e segura de si) eu confesso que sou sim a Magali. A Magali tem seu gatinho Mingau, sua paixão. Também amo gatos. É uma amiga querida, que raramente é protagonista mas tá sempre com a galera - também curto muito a minha. E ama comer, igualzinho a quem? Já recebi, inclusive, o apelido de "musaranha" - uma referência ao musaranho, o menor mamífero do planeta. Medem cerca de 10 cm, mas são capazes de comer o peso equivalente ao dobro do seu. Não sou tão exagerada assim, mas gosto mesmo de comer. Melancia é um dos meus fortes, o que me aproxima mais ainda da Magá (percebeu a intimidade?).
Acho que essa paixão por melancia tem uma origem afetiva forte. Minha mãe, todo mês, quando ia buscar seu dinheiro da pensão, comprava uma melancia. Ela chegava em casa com as bochechas rosadas pelas horas de fila e sol quente, botava o vestidinho florido de ficar em casa e sentava com a gente pra comer a melancia. Era tão lindo ver aquela cena. Acho que mais que o sabor da melancia era ver a alegria em seu rosto e o frescor em seus olhos. Parece que ela nos falava, sem palavras, que o prazer na vida podia estar em coisas muito simples.
Por essas e outras sou muito fã da Magali, assim como das demais criações do Maurício de Sousa. Representam bem uma parte das crianças, com suas brincadeiras, brigas, características individuais. Eita, acabei de lembrar que também sou Sousa, será que sou parente da Magali? Eis o que não sei...

Anita Safer

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Um café com afeto, por favor.

Eu e alguns dos meus irmãos começamos a nos reunir uma vez por semana pra tomar um café. Pronto, não consigo resistir, preciso criar uma lista para a situação.
Quem me conhece sabe que amo uma lista. Então fiz uma relação de diversos cafés na cidade. Para minha felicidade tenho os irmãos mais incríveis do mundo, que conseguem compreender minhas manias bizarras. Eles aceitaram o desafio e começamos a Saga dos Cafés com Afeto. 
Eu não sou de tomar café, pra ser sincera. Mas ir para um Café não quer dizer, necessariamente, tomar café. Ir para um Café é um ato de amor. Você nunca, jamais, convida um desafeto para ir em um; pelo menos não deveria. O café sairia amargo demais. Você convida as pessoas com quem gosta de estar, para falar da vida, dos acontecimentos, dos sentimentos. Pessoas com quem você fica horas conversando, ou em silêncio, porque  sabe que se estão juntos em um café é  para dividir um momento de pura ternura e encantamento. 
Pelas minhas contas já temos cafés garantidos pra mais de um ano; depois quem sabe partiremos para almoços,jantares,  bares... Posso fazer uma lista incrível de possibilidades...hehe.
São muitos lugares para conhecer dentro da nossa cidade e muitos os afetos que temos pra trocar. E aquele cheirinho gostoso de café, o tilintar das colheres nas xícaras e as companhias queridas me fazem lembrar do que aquece meu coração.

Anita Safer


sexta-feira, 20 de abril de 2018

Uma linda senhora chamada Brasília

Foto: Simone 
Recebi um telegrama do meu pai com os seguintes dizeres: Parabéns pelos seus dois aninhos. O papel amarelado e cheio de vincos foi lido e relido toda a minha vida. Especialmente porque ele faleceu três anos depois, mas o telegrama resistiu como prova de sua existência e de seu carinho por mim. Na ocasião do telegrama ele estava no Piauí e nós já estávamos em Brasília.
Do Piauí eu trouxe o amor por pitombas e bacuris, o gosto por balançar em redes e o calor entranhado na pele. Trouxe nas veias a herança ancestral das minhas famílias de pai e mãe. Tenho muito amor pela minha terra.
Cresci em Brasília e com Brasília. A cidade era toda feita de distâncias, terra vermelha e redemoinhos. Na infância vi prédios sendo construídos, avenidas tomando formas naquela imensidão sem fim. Por sermos todos pioneiros éramos muito próximos e formávamos uma grande família; espalhada pelas poucas e jovens superquadras. Assim brincávamos, brigávamos, vivíamos o primeiro amor e mais alguns, às vezes.
Na adolescência as festas aconteciam nos apartamentos, sem que os vizinhos reclamassem, pois os filhos de todos estavam lá. Embaixo dos prédios sentávamos em roda, tocávamos violão e falávamos de tudo. Com toda a calma do mundo. 
A cidade cresceu e hoje é uma linda senhora. Brasília é diferente, sempre tem algo a ser descoberto. É como uma mulher enigmática, que revela-se aos poucos; e eu aprendi a olhar sempre pro céu. O céu de Brasília, que é cantado e descrito em poemas, é lindo de doer. É a minha paisagem, como para alguns é a praia no litoral, a vegetação de mandacaru no sertão.
Amo esse lugar. Posso viajar o mundo, mas aqui é minha casa. Aqui eu danço, escrevo, amo, desenho e vivo tudo o que sou.
Escrevi tudo isso pra Simone, minha amiga que também viveu uma trajetória assim e disse querer ler algo escrito por mim sobre a cidade. Ela também faz parte da minha paisagem há muitos anos. Uma amiga que é uma Beleza, com perdão do trocadilho. Sem contar que tenho poucos leitores e não quero perder os poucos que tenho...rs
Beijos Brasília, beijos Simone. Grata por me acolherem e fazerem parte do que sou.

Anita Safer

domingo, 15 de abril de 2018

Fui de Caranova

AMO forró. Sei lá. Tá na minha veia nordestina, é mais forte que eu. Lembro que anos atrás entrei numa aula de dança de salão. Não dançava nadica de nada, mas desde o primeiro dia foi como se eu tivesse ganhado um par de asas. Ainda bem, porque o par de pernas mesmo não me levava pra lugar nenhum quando se tratava de dança...hehehe. E entre todos os ritmos que fui aprendendo o forró bateu com força no coração e fincou a bandeira do 'fico'. Então foi um tal de sair procurando por toda a cidade onde tinha forró e a primeira banda que tocou meu coração foi o Trio Caranova. Sabe aquele forrozinho simples e gostoso, tocado de um jeito manso? Esse encontro com eles foi há uns nove anos atrás. Dancei muito ao som da sanfona, zabumba e triângulo e do vocal alternado entre Maciel e Vieira. 
Foto: Isabel Andrades
Foi uma alegria quando me convidaram para ir ao Fulô do Sertão (404 Norte) e dei de cara com eles. Eles estão tocando aos sábados lá, minha gente. De vez em quando pode acontecer de ter uma mudança na programação, então é bom conferir com o Fulô antes. Tô avisando pra que meus amigos forrozeiros saibam que tem agora mais esta ótima opção pra arrastar chinelo e "relar o bucho".

"O candeeiro se apagou
O sanfoneiro cochilou
A sanfona não parou 
E o forró... continuooooouuuuu..."

Anita Safer








quinta-feira, 5 de abril de 2018

Vale a pena ver de novo


Há uns anos atrás meus filhos me fizeram uma linda surpresa. Era um vídeo, daqueles com fotos e músicas, onde retratam a sua vida. Lembro que no dia eu ia com uma amiga ao show do Hugh Laurie (o ator que faz o Doctor House numa série americana e também é músico de jazz). Assistimos ao vídeo antes de irmos ao show e eu acabei indo ao evento com aquele nariz de batata, que acontece quando a gente chora muito. Depois nunca mais vi esse vídeo, mas este ano o recebi novamente, no melhor estilo Vale a Pena Ver de Novo. No meu caso, vale a pena chorar de novo, vale a pena ficar novamente com o nariz de batata. Só faltou o show do Hugh Laurie, para delírio da minha amiga que o ama de paixão.

O vídeo vai mostrando fases da minha vida, começando com minha mãe, passando por minha infância. E lá estou eu, magrela, com a perna torta, correndo - com a Torre de TV ao fundo - com as botas brancas
que ganhei do meu irmão (Valeu Cli, amava essas botas com toda a força do meu ser e não queria tirar por nada no mundo). E por aí vai. Cabelo preto, cabelo loiro, franja, encaracolado, liso. Meu Deus! Que roupa é aquela??? E esses óculos, gente??? Família, amigos, muito amor envolvido. 
Em algumas fotos tô toda bagunçada, desarrumada mesmo; mas logo percebo que quem nos ama de verdade nos vê por uma outra lente. Eles procuraram retratar as memórias afetivas, a mãe que eles conheceram a vida toda em momentos diversos. Deram ênfase aos momentos em que eu estava feliz, rodeada de pessoas importantes pra mim. 
O resumo da ópera é que percebi que o bom é viver assim, cercada de pessoas que nos amam do jeitinho que somos; gordos ou magros, feios ou bonitos, em momentos felizes ou tristes. Pessoas que não ficam nos julgando, porque conhecem nossas qualidades e limitações. Gratidão eterna pela oportunidade de ser mãe dessas criaturas incríveis e que me ornam com um lindo e grande nariz de batata de pura emoção e alegria.

Anita Safer

quinta-feira, 22 de março de 2018

As palavras e seus enredos

Foto: Márcia Alves
Comunicação é uma coisa engraçada, às vezes. Uma pausa numa frase, uma palavra com mais de um sentido, tudo isso pode tornar o que seria uma informação simples em algo pra gente rir ou se envergonhar. Hoje mesmo aconteceu uma situação dessas comigo. Ontem bati meu carro. Nada grave, meus pedaços estão todos aqui, parece até que apareceram mais umas gordurinhas...hehe. Na verdade foi daquelas batidas bobas, mas tive que acionar o seguro e comunicar o Sinistro (Sinistro... Buuuuu... já começou, olha só que palavra engraçada pra representar uma batida ou acidente). Pois bem, liguei para a seguradora e fui atendida pelo simpático Felipe. Ele super educado. Eu nunca tinha acionado um seguro antes, abri logo o jogo:

-Felipe, bati meu carro... blábláblá... como nunca precisei acionar um seguro, pelamordeDeus me explica o que eu preciso fazer...
- Fique tranquila, eu terei imenso prazer em te ajudar na sua primeira vez... (Pausa para a frase ficar bizarra)... em acionar o seguro.

Hahahaha. E ele foi mesmo muito delicado na minha "primeira vez". Comentei depois com as pessoas em casa e demos boas gargalhadas. Aí comecei a lembrar de outras situações assim, engraçadas.
Trabalhei em uma escola e a amiga que trabalhava comigo (muito lindinha e charmosa, diga-se de passagem) estava atendendo um pai no balcão da secretaria. O pai fez a matrícula e perguntou pra ela:

- A senhora me passa a relação de material?
Olha só a resposta dela

- Senhor, nós só teremos relações no início das aulas...

O pai ficou com uma cara engraçada e eu segurando o riso, que, claro, se soltou assim que o pai foi embora. A gente riu bastante.

Minha filha trabalhava em uma livraria e uma pessoa procurava um controle de vídeo game. A amiga dela já gritou logo lá de longe:

- Nós estamos sem controle!

Tem uma situação com uma irmã também (Não vou citar qual o nome da irmã nem sob tortura... tudo bem, se você insistir e me pagar uma banana split eu faço uma delação premiada). Fomos num show e depois do mesmo resolvemos tomar um café na lanchonete do local. Como já estava tarde o garçom informou que não estavam mais atendendo novos pedidos porque estavam fechando. Minha irmã olhou pra ele e disse:

- Ok, então nós vamos tomar noutro lugar...


E assim a gente vai se divertindo entre uma batida e outra, entre um café e outro, entre um trabalho e outro. A vida segue, com seus problemas grandes e pequenos, mas sempre aparece uma gracinha no meio do caminho pra promover um pouco de leveza.

Anita Safer


sexta-feira, 16 de março de 2018

Vejo flores onde não havia

Na quadra onde moro tenho acompanhado, há um certo tempo, uma mudança de paisagem. Em um dos prédios o síndico começou a fazer um jardim. Mas não é um jardim feito de qualquer jeito, é um lindo jardim. Eu não sei seu nome, nunca nos falamos, mas tenho acompanhado seu trabalho de florescer o caminho por onde passo. Aos poucos o jardim vai se expandindo. Inicialmente em torno do bloco e a cada dia mais um pouco. Meus olhos vão se maravilhando com tanta beleza.
Naquele trabalho feito por ele - silencioso, persistente e solitário - sinto a força de uma revolução. Sei que muitas pessoas, assim como eu, sentem-se mexidas com a atitude dele. 
Em Brasília temos presenciado a cidade se desmanchando através de seus concretos negligenciados por muitos anos. Um viaduto cai aqui, uma ponte está ameaçada ali. Neste contexto uma pessoa faz sua parte e cuida do seu jardim.
Será que só os gestores públicos estão negligenciando suas paisagens ou eu e você também estamos? Será que cuidamos de "nossos jardins"? Será que florimos nossas vidas com bons sentimentos? Será que nutrimos a "terra" dos nossos corpos? Será que tiramos as ervas daninhas dos nossos pensamentos? Não posso responder por nossos governantes, nem por mais ninguém, mas vejo que tenho muito a aprender com o gesto desse homem. Preciso não só plantar coisas boas, preciso conservá-las, num trabalho diário e incansável. Planta por planta, flor por flor. Buscar a harmonia do meu jardim. Algumas atitudes grandes e frondosas, outras pequenas e singelas. 
Gratidão a todos que passam pelo meu caminho, conhecidos ou desconhecidos, que me inspiram e jogam sementes no meu terreno, por vezes árido.

Anita Safer

sexta-feira, 9 de março de 2018

A Vida é Bela... E será toda dela

Quando eu soube que minha nora estava grávida eu fiquei... Estática. Estátua. Parada. Inerte. Abobalhada. Não conseguia reagir. Primeiro porque podia ser uma pegadinha. Eles colocaram o resultado do exame na caixinha de correio e ficaram olhando pra mim quando eu o abri, sem ter noção do que me esperava. Até filmaram, os safados...rs. Filmaram a minha cara de pastel. A emoção era imensa e eu tinha medo de acreditar e ser só um sonho, e eu despencar na realidade a qualquer momento.
Vieram então as ecografias. Primeiro aquele feijãozinho, que todo mundo conhece. Mas eu sabia que aquele feijão mágico, assim como na história infantil, nos levaria aos ovos de ouro. A partir da ecografia já dava pra ver a criaturinha. Epa, mas ela tá com a mãozinha na testa. Estilo sofrência. Veio a segunda ecografia... E a terceira. Ela crescia! Mas a mão da sofrência estava lá. Meu Deus! Vou ser avó da MaiaraeMaraísa, SimoneeSimária, Naiara Azevedo (essa tem um nome só pra ela...hehehe). Ou será que ela estava posando pra uma estátua de Rodin, estilo O Pensador?
Mas chegou o grande dia e eu entrei em trabalho de parto...hahaha. Minha nora sentia uma contração de lá e eu outra daqui. Que coisa louca. Nasceu de madrugada. Chegou "causando", E a espera para vê-la na maternidade foi mais demorada que os nove meses. Fui no carro repetindo o mantra... Não vou chorar feito uma louca, não vou chorar feito uma louca... Vocês já sabem o resultado do drama. Chorei. Chorei feito uma louca varrida. Me rendi diante das bochechas rosadas da Isabela. Da boquinha linda, da mãozinha gorda... Ops... ela não estava com a mãozinha na testa. Aí percebi que a sofrência dramalhona era toda minha. Afinal, um dia a gente chora por amor e o melhor choro de amor é esse, por alguém que merece todas as nossas lágrimas - de alegria. 
Vem para os meus braços e pra minha vida, minha bela Isabela. Vamos cantar juntas umas modinhas, uns forrós, ou um rock pauleira, o que você quiser. Porque só desejo que você seja exatamente quem quiser ser. Te amo!

Anita Safer

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Braços que acolhem

Foto: Morgana Guimarães
Fiz uma pequena viagem no feriado. Não, não fui pro Rio de Janeiro como a foto parece levemente sugerir. Fui pra Morrinhos/GO passar uns dias com meu filho e sua família. A cidade tem seu próprio Redentor. Bonito. Assim como o lago e seus arredores. A cidade calma, calma. E eu fiquei calma, calma, curtindo as pessoas queridas, a cadeira de balanço de "macarrão" (nordestinos entenderão), a rede e os gatos. Nessa calmaria descansei a mente e dei folga pra rotina. É bom mudar um pouco a paisagem, é saudável.
Na volta o motorista que conduziu o ônibus de Morrinhos à Goiânia foi parando o tempo todo. Ele parava para os que pediam pra que ele parasse e os que não pediam ele parava também, vai que queriam...haha. Via a hora dele parar em cada poste, para cada cachorro que caminhava distraído ao lado da pista. Lá estava eu, rapidamente voltando ao meu pensamento acelerado e resmungos internos. Mas me dei conta a tempo de parar o processo e curtir a viagem e a paisagem. 
Cheguei em Goiânia bem na hora de pegar o segundo ônibus. Nem deu tempo de curtir a "rodovishopping" de lá, um espetáculo. Enquanto entrava no ônibus esticava o pescoço pra ver o que tinha mais pra ver. Um dia volto pra passar três dias naquela rodoviária...rsrs. Quando cheguei na poltrona 14 - a minha, para meu uso pessoal (que não era na janela, o que seria perfeito, mas tava boa pra mim) - o senhor que já estava sentado na poltrona 13 dele (na janela, sortudo!), olhou sorrindo pra mim e disse: Seja bem-vinda! Que tenhamos uma boa viagem. Ao me sentar começamos uma conversa boa como se velhos amigos fôssemos. Ele cheio de bagagem, não daquela viagem, mas de vida. Uma boa parte da estrada passou sem que eu me desse conta.
Esse gesto natural e simples com que ele me recepcionou me fez lembrar do quanto estamos desconectados das pessoas, em geral. E a demonstração de acolhimento, por parte de uma pessoa desconhecida me surpreendeu. Vamos combinar, ser acolhido é sempre muito bom. Não importa de onde você vem ou pra onde vai, o que carrega na sua bagagem. Ser apenas acolhido. Como fui em Morrinhos por minha família que está lá. Como sou pelas pessoas que me amam e até pelo senhor da poltrona 13. Acredito que aquele Cristo de braços abertos quis me dizer alguma coisa. 

Anita Safer

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Era cilada!

Foto: Érica Perotto
Era uma manhã normal de "periguetagem".
Periguetar - do verbo ir ao mercado fazer compras de mês com a nora e a filha. Com direito a café da manhã na rua, ótimos papos e muitas risadas...hihihi.
Existem outros significados pro termo, mas esse é o nosso, de uso pessoal.
Depois das compras, no estacionamento, ele chegou. Festivo, até meio eufórico.
- Olha só! Só porque aposentou não lembra mais dos amigos...
E veio trazendo o sorriso de X e os braços abertos em minha direção. Eu, pega de surpresa, dei um sorriso amarelo - sem X, eu acho. Ele continuou:
- Tá lembrando de mim?
- Acho que tô. (Claro que não! Embora ele parecesse familiar... Que droga! Isso sempre acontece comigo. Minha memória se diverte ao me fazer passar vexame).
- Você está ótima!
- E você, o que conta de novo? (Velha tática pra tentar obter informações)
Então a expressão dele mudou. O sorriso de X deu lugar a um rio de lágrimas sobre seus olhos... Do riso fez-se o pranto...
- Lembra do meu irmão, o Carlão?
Agora piorou, pensei. Além de não lembrar dele ainda vou não lembrar do Carlão... E o assunto prosseguiu:
- Carlão morreu. Um acidente horrível!!! Um pedaço dele ficou preso na maçaneta da porta do caminhão. Vai passar hoje na TV. Minha mãe tá desesperada e eu tenho que providenciar tudo. Fui comprar o caixão, mas é muito caro, faltou 98 reais. Então vim aqui ver se conseguia alguma ajuda. (No mercado? pensei). Você tem como me ajudar?
Eu ainda tava chocada com a tragédia do Carlão e seu pedaço preso à carroceria do caminhão quando ele falou:
- Você não lembrou ainda de mim, né? Qual o último lugar que você trabalhou?
- No Jardim
- Isso, é de lá - Voltou o sorriso de X.
Epa! Peraí! Do último lugar que eu trabalhei ainda lembro bem. E lá não tinha esse sujeito e nem irmão chamado Carlão. É um GOLPE!!!
Dispensei o sujeito. Quando entrei no carro minha nora perguntou:
- Quem era?
- Não faço ideia.
- Mas ele parecia tão íntimo...
E minha filha cantou: "Não era amor, era cilada..."
Ô mundo bandido!

Anita Safer



sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Quem não deve...

Ela saiu pra comprar ração pros seus bichos. Passou na frente de uma concessionária, entrou e comprou um carro zero. Aquele carro que ela desejava há muito tempo. Automático e feio (o feio é por minha conta...hahaha... ela acha lindo e é isso que importa). Mas admito que é um carro muito, muito chique. A Marca? Não sei, não decorei. Acho que só consegui decorar os nomes dos carros antigos... Fusca, Kombi, Opala... Ah, a marca do meu eu sei, apesar de não ser tão antigo. O que é da gente a gente sempre sabe. Pra decorar o dela eu teria que comprar um, o que não deve acontecer. Embora seja do signo de Áries, acho que sou uma fraude, a impulsividade imputada ao signo passa longe de mim; mas fiquei feliz por ela. Feliz de verdade e não vejo a hora de sairmos pra inaugurá-lo.
Tentei lembrar a última vez em que fiz uma loucura no impulso. Não consegui lembrar. Salgados e docinhos contam? Porque só faço loucuras quando se trata de gordices. Sou super medrosa e penso mil vezes antes de comprar um batom, sempre acho que vai abalar todo o meu orçamento. 
Agora eu to com um medo danado de comprar ração pros gatos, vai que sou acometida por um momento de loucura desses e compro um carro novo, de uma marca que vou ter que decorar. 
Ainda fica reverberando na minha cabeça a frase de efeito que ela me disse, quando compartilhou a novidade: "Quem não deve, não tem". Mas vamos combinar, às vezes uma loucura é a coisa mais saudável que podemos fazer. 

Anita Safer