A senhora caminhava a passos rápidos. Era sua caminhada matinal. As bochechas estavam rosadas pelo visível esforço. Assim como era visível o esforço da calça legging em conter os quilos a mais que ela buscava eliminar. Distribuía bons dias a todos. Recebia de volta variados tons de bom dia. Uns sorridentes, outros reticentes... Alguns não combinavam com o rosto - enquanto a voz dizia bom dia os olhos não ocultavam o dissabor - mas respondiam, afinal, era isso o que se esperava.
Ao passar pelo rapaz, jovem ainda, ela escolheu o melhor sorriso e despejou um sonoro... BOM DIA!
Ele seguiu seu caminho. Nem um bom dia, nem um olhar, nem um sorriso. Ignorou seu sorriso, suas palavras, sua legging contida... Ignorou.
No mesmo instante a decepção tomou conta do sorriso da mulher. Dos lábios onde habitavam os bons dias saíram palavras ditas como que para si mesma:
- Juventude mal educada!!!
Ela não percebeu que ele havia respondido sem palavras. Não percebeu a mochila, aparentemente, pesada que ele carregava nas costas. Sabe-se lá quanto peso ele carregava nas costas! O olhar dele fixo no chão. A silhueta curvada, quase dando um nó, como se buscasse a posição fetal. Não pode ver os pensamentos flutuando em volta daquela cabeça jovem. Ele não usava legging. Não era a calça que o continha, mas todo ele estava contido. Absorto em seus pensamentos. Talvez pensando em muitas coisas, talvez não pensando em nada. Ele era jovem, sim. Talvez não fosse mal educado, ou talvez fosse... Vai saber. A mochila podia estar pesada ou vazia. Ele pode nem ter escutado o bom dia, ou ter mesmo ignorado. Mas ele não precisava ser o motivo de fazer com que ela descesse do céu ao chão. Aquele julgamento meteórico que condenou toda uma juventude ao rótulo de mal educados foi um indício de que, além de estar usando uma legging, talvez ela carregasse nas costas também uma mochila invisível, pesada, buscando sentido e alegria em uma caminhada e em uma boa dose de bons dias. Nem todos os dias são bons, nem para a moça da legging, nem para os que andam reticentes, menos ainda para os que ocultam o dissabor, nem para o jovem da mochila. Eu e você também não temos todos um bom dia, mas temos aqueles momentos em que despimos as leggings e nos livramos do peso nas costas. Aí sim, podemos dizer com sinceridade... Bom dia!
Anita Safer
Simplesmente profundo. Me fez refletir verdadeiramente sobre a percepção de "bom dia" que cada um experiencia em cada momento da vida. O exemplo descrito no texto é vivido diariamente, por várias senhoras de legging, encontrando vários "bons dias" reticentes e jovens de mochila. E é com esse "bom dia" sorridente que, muitas vezes, a bem humorada senhora de legging torna o dia de inúmeras outras pessoas melhor.
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