quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Arte – Um segundo olhar


                                   Foto de Flavia Mendes

Tenho uma confissão a fazer. É algo de que me envergonho, mas é um fato. Não entendo absolutamente nada de arte. Não reconheço a autoria de uma obra, mesmo que seja de um grande nome. Não entendo de estilos, tendências, história da arte, linguagem. Meu entendimento sobre o assunto passa pela peneira básica do “ah, gostei” - “ah, não gostei”. E esta constatação não passa por nenhum critério - não é porque é esteticamente belo ou bem apresentado; se origina de uma espécie de enjôo, arrepio, suspiros, cabeça inclinada, pelo desejo de rir, chorar, ignorar. 
Com este meu “vasto entendimento” de arte estava eu, passando em frente a uma galeria de arte e resolvi entrar. Havia uma exposição de um artista internacional, que não me lembro de que país e muito menos seu nome. Viu o que eu disse? Não assimilo algumas coisas. Pois bem, esta exposição consistia em papéis borrados de tinta jogados no chão, com bisnagas (de pão) por cima. Havia também uma espécie de cabana também feita de bisnagas e quadros com desenhos em preto e branco de, acreditem, homens bisnagas. Eu olhei, enjoei, inclinei a cabeça, desejei rir e chorar e, por fim, resolvi ignorar. Saí desta parte da galeria e fui pra o outro ambiente. Lá sim, as obras, de sei-lá-quem, estavam esteticamente compostas e fazendo todo o sentido do mundo. Reconhecia às paisagens, as molduras, a limpeza do lugar. Tudo muito bem. Não enjoei, não arrepiei, não suspirei, também não precisei inclinar a cabeça e sai de lá, sem rir, chorar ou ignorar. Simplesmente saí.
Voltei à exposição anterior, não tinha como sair da galeria sem levar uma bisnagada, era o único caminho. Só que algo aconteceu. De repente, olhei para tudo com outros olhos. Aquela exposição que me pareceu tão ridícula no primeiro olhar começou a me instigar. Sabe aquele livro chamado Olho Mágico, onde você não consegue ver nada, mas quando fixa um tempo o olhar a imagem aparece nítida, como se sempre estivesse lá? Foi isso o que aconteceu. Eu consegui entender toda a crítica, a força e o humor presentes naquela obra. Apaixonei-me, queria ficar lá.
Sensação diferente eu tive quando fui à exposição !(a)notações – paisagem, de Matias Monteiro. Lembro do nome da exposição, do artista e até do ano (2011). Lembro, em parte, porque Matias é um sobrinho muito querido. Acontece que não foi o Matias (sobrinho) que me marcou, foi sua obra que  me envolveu e me emocionou.  Eu reconhecia naquela exposição uma atmosfera que era toda feita de encanto, ao mesmo tempo doce e forte. Enquanto era passado era futuro. Era simples e complexa. Mas, acima de tudo, era profunda e aconchegante. Nesta exposição não usei nenhum dos critérios acima mencionados porque, de alguma maneira eu estava ali de forma simbiótica. Eu era a expectadora e era a arte...  Também era a artista.
O incrível disso tudo é saber que na vida e na arte, algumas pessoas, fatos e obras pedem um segundo olhar. Muitas vezes atropelamos por não ter paciência de olhar mais uma vez, por não perceber que o que nos incomoda pode passar a nos encantar. Tudo bem, outras vezes um segundo olhar pode reforçar o nosso asco. Algumas vezes encontraremos pessoas como a obra de Matias, que prescindem de explicação. Apenas nos reconhecemos.
Espero ter aprendido com estas experiências algo que me acrescente. Que eu tenha um olhar mais atento. Para isso rendo minhas homenagens a todos os artistas plásticos, capazes de gerar revoluções íntimas e sociais.

Anita Safer

O açougue dos livros que não serão esquecidos


Quando o mundo real nos confronta e atropela, vamos vivendo as horas num eterno “a fazer”. Luta pelo pão de cada dia. Obrigações, obrigações e obrigações. Nada como uma pausa. Nada como parar tudo e viver outra vida, em outro mundo, com outras pessoas. Isso não é fuga, é apenas sentar por uns instantes como se estivesse à sombra de uma árvore... seguindo A SOMBRA DO VENTO.
No livro A Sombra do Vento, do espanhol Carlos Ruiz Zafón, Daniel é levado pelo pai a um lugar: O Cemitério dos Livros Esquecidos. Neste lugar, cheio de livros abandonados, Daniel começa a sua história, cheia de mistérios e descobertas. O livro é belíssimo, talvez o mais lindo que eu tenha lido nos últimos tempos. Muito bem escrito e com uma atmosfera envolvente; a gente chega a sentir os cheiros, a temperatura, a textura das coisas. Para quem ama ler, este lugar mágico é um paraíso.
                                                                                     Foto: Érica

A minha felicidade é que estou a dois passos do paraíso, como canta Evandro Mesquita. Tenho a sorte de morar em Brasília, mais precisamente na 312 Norte. Nesta quadra cheia de vida e movimento está localizado o Açougue Cultural T-Bone. O proprietário, Luiz Amorim, diz que através da arte vamos construir uma sociedade mais humana. São muitas as qualidades que posso atribuir ao açougue e ao próprio Luiz. Posso falar do atendimento maravilhoso, do profissionalismo de seus funcionários, da qualidade da carne vendida. Posso falar de como Luiz Amorim é um exemplo de superação e da contribuição incrível que ele dá à sociedade ao promover saraus literários, exposições, lançamentos de livros e CDs, apresentações de teatro e de shows incríveis, com artistas locais, nacionais e internacionais - como a inesquecível apresentação da Orquestra Sinfônica de Viena, que foi um dos momentos emocionantes que vivi na vida. Tirando todos estes pontos, vou me fixar no que me fez escrever este texto. O T-Bone tem um projeto maravilhoso. Ele colocou estantes de livros em vários pontos de ônibus da cidade. Você pode pegar o livro que quiser e depois devolvê-lo a um dos pontos para que possa ser lido por outras pessoas. No próprio açougue tem um ponto de livros e eu sou absolutamente viciada nestas estantes. Passo lá no mínimo uma vez por dia. Já encontrei livros incríveis, alguns clássicos, como As Aventuras do Sr. Pickwick, de Charles Dickens. Lá também são colocadas revistas, periódicos, livros infantis e didáticos. Um verdadeiro sonho. Um lugar assim nos remete ao que há de melhor em nós. É como o cemitério dos livros esquecidos de Zafón, onde muitas histórias começam. É importante que todos nós colaboremos com este projeto, doando livros. Aqueles livros que ficam empoeirando em nossas casas podem ser o que está faltando para transformar a vida de alguém. Termino este texto com um trecho do livro A Sombra do Vento, onde diz, na página 9:


“Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos sob suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece”

Anita Safer

domingo, 27 de janeiro de 2013

Apartheide digital - A nova cara do analfabetismo

Vivemos em uma era digital. "Conectar" com este novo modo de vida é essencial para o desenvolvimento profissional e social. O mais brilhante dos pensadores e intelectuais, nos dias de hoje, corre o risco de ser considerado um analfabeto digital. Este momento cibernético exclui todo aquele que, por razões sociais, financeiras ou mesmo por falta de interesse, não rende-se aos encantos da informática.
Fazendo uma retrospectiva histórica - Nos tempos idos da civilização, poucos nobres e eleitos tinham acesso à escrita e à leitura. Estes homens eram os responsáveis por passar para o povo, e registrar para a posteridade, feitos e fatos históricos através dos famoso pergaminhos.
A partir de então, ler e escrever tornou-se fundamental para a sociedade como um todo. A erradicação do analfabetismo passou a ser a grande bandeira defendida por governantes de todo o mundo. Os índices de alfabetizados no país servem para demonstrar se um país está, ou não, em processo de desenvolvimento. O Brasil tem sido alvo de críticas constantes neste sentido. Um país de proporções continentais e sem políticas públicas eficientes na área de educação deixa muito a desejar.
Milhares de pessoas, de diferentes faixas etárias, debruçam-se sobre cadernos com lápis bem apontados para conseguir desenhar, com muita dificuldade, as letras de seu nome. Travamos uma luta para alfabetizar nosso povo e agora vemos, à velocidade da luz, uma nova e poderosa forma de linguagem surgir e expandir-se. Este novo modelo de comunicação - a linguagem digital - vai exigir de todos uma re-alfabetização; e não só isso, será necessária uma reformulação de conceitos. Estamos a um "click" de um espaço paralelo recheado de informações, pessoas, alegrias e dores. O mundo está cada vez mais próximo de nós. A globalização está presente nas telas de um computador. Estamos armazenados em um PC. Nossas senhas bancárias, nossos trabalhos escolares, as pesquisas, a programação cultural, a medicina, o espaço, tudo, enfim.
Não bastasse toda a perplexidade diante desta forma acelerada, e, constantemente renovada, de evolução tecnológica, temos que lidar com conceitos preconcebidos que precisam ser reeditados. Nesta nova escola da vida, onde não mais temos que aprender a desenhar letras com lápis apontado em folhas de papel - e sim digitar "arrobas" e "underlines" - são os jovens, em sua maioria, os detentores do saber. Enquanto aos quatro anos de idade as crianças desta geração sentem-se completamente à vontade diante de um computador e aprendem a digitar, clicar, jogar e interagir, os adultos recorrem, desesperados, a cursos básicos de informática e, em casos mais graves, pedem ajuda aos filhos adolescentes.
A infância real foi trocada pela virtual, antigamente brincava-se de polícia e ladrão, hoje, os jogos em rede, como The Crims, proporcionam aos jovens a oportunidade de serem "bad boys" virtuais, onde podem roubar, matar, cometer crimes e delitos. O antigo diário adolescente, onde se escrevia sobre sentimentos e era guardado a sete chaves, transformou-se em "blogs", onde todas as pessoas do mundo podem ter acesso. As rodinhas para uma conversa transformaram-se em salas de bate-papo, onde a língua portuguesa é reescrita , através de frases como: Vc vem aki naum? E entre uma clicada e outra surge um romance onde e-mails são trocados como as velhas e boas cartas de amor. Só que são cartas instantâneas, assim como os relacionamentos. É o famoso estilo "fast food", onde tudo acontece de forma rápida e, em muitos casos, descartável.
Porém, como não se render a uma tecnologia onde o mundo se descortina diante de nossos olhos sob o comando das pontas de nossos dedos? Pela internet, as pessoas podem encontrar-se, ajudar-se, trocar experiências e informações. Saímos da linha de conforto e precisamos navegar para acompanhar nossos filhos e alunos nesta nova realidade. Os educadores, em especial, têm um grande desafio a enfrentar - transformar a sala de aula em um ambiente agradável e que promova o conhecimento de forma interessante a ponto de satisfazer uma geração de jovens que, em alguns casos, está muito à frente deles. Talvez seja o momento de lembrar que educar não é simplesmente transmitir conhecimentos. A educação é muito mais ampla, ela deve ajudar o indivíduo em sua formação plena, crítica, política e social. Por esta razão, não podemos ignorar os recursos atuais que a informatização nos traz. É preciso lutar contra o nosso analfabetismo digital e usar este instrumento como uma ferramenta a mais para a disseminação do saber e do diálogo.
O governo, sim, terá que se desdobrar para oferecer à população menos favorecida acesso à informática. Será uma missão quase impossível colocar computadores em escolas que não têm, às vezes, carteiras e professores. Escola onde os alunos precisam se abrigar para fugir de goteiras.
Ao final das contas, parece que, como sempre, os nobres e eleitos deterão o poder ao estar à frente da plebe. Agora, este texto, totalmente escrito à mão, será digitado em letras Times New Roman, ou outra qualquer, para que eu não passe pelo constrangimento de ser computada em pesquisas como analfabeta digital. Como dizia Paulo Freire: novos tempos, velhos problemas.

Anita Safer

Caixinha de surpresas

Esse texto saiu publicado na revista Bons Fluidos, edição de agosto de 2012

Sempre ouvi falar das mudanças físicas e biológicas causadas pela menopausa. Mas nunca imaginei que aquele tsunami hormonal bateria à minha porta tão cedo e de forma contundente. Os sintomas começaram quando eu tinha 39 anos e, aos 42, já não menstruava mais.
No início acordava com as mãos doídas e a cabeça pesada. Em seguida, os famosos calorões faziam meu rosto arder. Era uma espécie de TPM intermitente onde alternavam momentos de prostração e de fúria intensa. Para piorar, após uma consulta médica, descobri que não poderia fazer reposição hormonal por causa de uma trombose que tive e o risco de reincidência era alto com o uso do medicamento.
Não havia jeito. Eu precisava descobrir uma forma de enfrentar aquele incômodo. Minha primeira ideia foi entrar num coral. Senti que precisava soltar a voz. Logo, a atividade surtiu efeito. A harmonização das cordas vocais trouxe beleza para minha vida e os exercícios de respiração começaram a me acalmar. Além disso, fazíamos apresentações em asilos e creches, dando e recebendo uma energia renovadora! Porém eu queria mais.
Então, resolvi praticar dança de salão, onde aprendi a desenvolver autoconfiança, a soltar o corpo e entrar em sintonia com o outro. Foi tão libertador que eu não queria mais parar. E não parei. Mas percebi que ainda não tinha chegado ao fim meu desejo de transformação e resolvi desenvolver um trabalho voluntário no teatro. Criei dois grupos, um infantil e um da terceira idade, onde exercitava minha criatividade e era responsável por motivar as pessoas e envolvê-las num objetivo comum.
Com tantas atividades, fui percebendo a importância de viver o novo. Foi quando surgiu outra ideia. Escrevi em pedaços de papel todas as ações que me vieram à mente e coloquei-os dobrados em uma caixinha. Foram 107 opções de atividades relacionadas a esporte, arte, estudo, enfim, tudo o que minha imaginação permitiu. Desde então, todos os anos sorteio uma atividade e a executo. Até agora já fiz espanhol, tênis de mesa, teclado, balé clássico - que me divertiu bastante, pois não tenho idade nem silhueta de bailarina -, entre outras atividades. Este ano (2012) estou aprendendo a fazer escultura com legumes e verduras. O máximo! O que eu tenho ganhado com isso?
Aprendo coisas novas, sou desafiada constantemente a sair da minha área de conforto, além de ter, a cada instante, uma nova perspectiva de vida. Me divirto, me exponho ao ridículo, me emociono, me concentro, levo a sério ou na brincadeira. Mas o melhor de tudo é que passei a ver a vida como um palco de possibilidades ilimitadas, onde sempre haverá novas pessoas a conhecer, habilidades a desenvolver... Ah! E sobre a história da menopausa? Bom, os efeitos dela foram enfraquecendo e se tornaram insignificantes diante deste mundo tão colorido e vivaz!

Anita Safer

Ai que medo... tenho fobia.


As pessoas desenvolvem fobias de tudo que é jeito. Das mais comuns (baratas, cobras, aranhas, altura, aviões, etc.), até aquelas mais esdrúxulas (fobia de palavras grandes, de narizes, do próprio nome, entre outros). Tem pessoas incríveis como o Jameson (rapazinho que é técnico em uma clínica onde fiz um exame) que, depois de perguntar se eu tinha fobia de agulhas ficou um tempo pensativo e então falou a frase impactante: “Acho que não tenho nenhuma fobia”. Ele pertence a uma classe extensa e admirável da população que não tem fobia; tão admirável quanto a classe que estaciona o carro de ré... Acho impressionante esta façanha.

Eu estou na categoria dos esdrúxulos. Minha fobia é estranha, confesso. Já procurei meus iguais nos sites de buscas e não os encontrei. Tenho verdadeira fobia a submarinos. Sinto-me tonta quando vejo uma foto ou imagem de um. Não consigo imaginar a origem. Algumas pessoas tentam explicar esse fato inexplicável. Já me disseram que posso ter morrido num ataque a um submarino em outra vida. Já ouvi deboches dizendo que posso até mesmo ter sido um submarino que reencarnou como uma mulher medrosa.

Um dia desses descobri que uma vez vi um submarino pessoalmente e desmaiei. Engraçado é que simplesmente apaguei da minha memória esse episódio.

Meu netinho Israel, de 4 anos, que é um menino superinteligente e já mostra traços de humor sarcástico, adorou saber que eu não posso nem ouvir a palavra submarino. Ele chega perto do meu ouvido e fala baixinho SUBMARINO.

Resolvi que preciso me libertar desta fobia ridícula. Embora não corra o risco de ver submarinos trafegando pelas ruas da cidade; a não ser que haja um hiper-ultra-mega tsunami que traga um até aqui. Afinal, aqui é Brasília e só tem o lago Paranoá, onde vemos, no máximo, jacarés (que adoram visitar o Palácio do Planalto) e capivaras gordinhas que sacodem suas banhas em alegres mergulhos.

Minha filha, com ares de psicóloga, resolveu me ajudar e me perguntou o que a ideia de submarino me trazia à mente. O que me incomodava na imagem dele. Era porque era grande e ficava no mar? Mas então, por que eu não tinha medo de baleias?

O caso é que a baleia simplesmente existe. O mar é o seu lugar, faz parte do contexto. Os submarinos não. Submarinos são ardilosos. Eles andam embaixo d’água, nas profundezas, com motivos excusos. A qualquer momento eles submergem, gigantescos, frios e totalmente fora do contexto, ao contrário das queridas baleias, que só querem nadar, procriar, enfeitar o lugar e morrer de velhice (não encalhadas em uma praia qualquer por ação de seres humanos ridículos que somos).

Sei que não posso fazer com que todos os submarinos do mundo sejam desintegrados, não enquanto eu não dominar o planeta. Preciso então começar a lidar com o que ele representa. Não gosto de nada ardiloso que possa submergir das profundezas. Isso se aplica aos outros e a mim mesma. Talvez precise entrar em contato com a parte fria e belicosa que há em mim e que pode sair a qualquer momento. Preciso lembrar que o submarino não serve só para atacar, ele também serve para proteger um território. Não preciso ser tão rigorosa comigo mesma e devo aceitar que tenho um lado ardiloso, como todo mundo.

Quanto ao fato de me surpreender com os outros, que podem mostrar seu lado “submarino” e me surpreender quando eu estiver navegando por águas tranquilas, exitem duas saídas:sucumbir ou acionar meu antimíssil.

Assim vou seguindo agora. Fortalecendo meu ataque, minha defesa e procurando olhar o submarino com outros olhos. Acho que é entendendo e enfrentando os medos que poderemos superá-los.

Anita Safer

Minha data de validade.

Ultimamente tenho tido pensamentos sobre a morte. Não. Não estou tendo ideias suicidas. Longe disso. Na verdade, a proximidade dos 50 anos faz a gente pensar em como a vida é breve. Por isso, muitas vezes, do nada, penso que a morte pode me visitar a qualquer momento. Não é uma visita esperada, daquelas que a gente convida. Afinal, tenho tentado fazer a minha parte para deixá-la distante de mim. Tomo meus remédios hipertensivos, baixei a glicose, tento comer bem, tento caminhar. Não fumo, não bebo, não me exponho a perigos, como, por exemplo, fazer um cruzeiro e ter a visão de um submarino. Isso sim abreviaria minha vida, mas é conversa para outro momento. Só que a morte é daquelas visitas antipáticas, que às vezes chega nos momentos mais inconvenientes: no melhor da novela, ou no segundo tempo do jogo, quando seu time acabou de virar o placar, ou quando você está sentada no sofá, fazendo um cafuné em um filho (que nem cabe mais no sofá), ou pior, no meio do forró.. Morrer no forró é a morte... Acho que seu espírito não sabe se vai ou fica, claro que vai depender do par com quem você estiver dançando; se for o par preferido você não morre... Nem morta!



Acontece que esses episódios de pensamentos fúnebres me fazem entender que a vida é espetacular e breve, que não vale a pena ficar preocupando com besteiras. Um dia, lendo uns escritos antigos, vi coisas que eram o fim do mundo pra mim, mas hoje nem lembrava mais. Tudo passa. O sofrimento vai e outros vem. A alegria vai e outras vem. Então, bora viver. Quando eu digo viver, não digo sair por aí feito uma "maluca de calcinha". Mas viver é estar presente, é se recuperar mais rápido das dores do coração e usar todos os sentidos para o que é belo e bom. Arrumar as coisas com prazer. Cozinhar colocando o tempero do aconchego na panela. Sentir o cheiro das pessoas que amamos. Apertar gatos e crianças até quase sufocarem. Dar beijos com estalos. Ir em festas e dançar até as pernas doerem. Vibrar com as conquistas dos outros. Dar a mão nos momentos difíceis e ficar ali do ladinho de quem precisa, pra que a pessoa saiba que não precisa estar só. É dizer não àquilo que não acrescenta, que machuca, que magoa. Um não sem culpa e sem drama. É cantar em inglês, francês, alemão, espanhol - no mesmo dialeto, que só você entende. Curtir o dia de chuva, porque refresca; o dia de sol porque aquece, o dia frio porque aconchega e até mesmo o dia nublado... Que não consegue explicar a que veio. Um dia li Martha Medeiros e ela falava sobre essa coisa de pensar na morte e sobre esse mesmo sentimento. Acho que todo mundo tem. Espero ter muitos outros sentimentos assim, em que lembre que pode ser meu último dia.
Quando a morte chegar quero que me encontre viva, assim poderemos nos olhar e nos cumprimentar. Então irei com ela, contando pra ela a delícia que é viver... Garanto que ela ficará MORTA DE INVEJA.

Anita Safer