quarta-feira, 3 de novembro de 2021

E aí. bicho?



Foto: Tina Arce

 A notícia aparece e, mais uma vez, fico estarrecida. Porcos selvagens invadem Shopping Popular. Lá estão os "invasores", com seus focinhos de tomada, patinando no chão liso e frio do banheiro, onde foram confinados, aguardando o resgate da Polícia Militar Ambiental.

A capivara nada no espelho d'água do Palácio do Itamaraty, sacudindo suas gordurinhas, talvez, numa tentativa "diplomática" de aproximação. O jacaré nada, tranquilamente, na piscina de uma casa. Lembro, imediatamente, de uma música infantil:

"Jacaré nada na lagoa, ele diz: Ai, meu Deus que coisa boa! Mostrou os dentes! Se preparando para morder a toda a gente".

Ops, isso é meio assustador para as crianças; então mudaram o final para:

"Se preparando para escovar os dentes"

Agora sim, ficou mais didático e preservou a imagem do coitado do animal, a quem é atribuída uma má fama. 

Jiboias em carros e casas, saruês para lá e para cá, corujas metendo o bico onde não deviam. Toda espécie de bichos invadindo o "nosso território".

Na quadra onde moro um urubu dá o ar da graça. Dei a ele o nome de Alfredo, sem um motivo especial, só me veio esse nome à mente, do nada. Um rapaz aqui do meu prédio, que todos chamam carinhosamente de Lourinho, é uma espécie de São Francisco de Assis. É comum vê-lo rodeado de passarinhos, pequenos, gordinhos e saltitantes. Uma lindeza de ver. Ele os alimenta e é adorado por eles. "Alfredo", curioso, também se aproximou e logo fez amizade. Em outro momento, lá estava ele - Alfredo, não o Lourinho - empoleirado na janela do sexto andar da casa da minha irmã, que mora em um prédio próximo. Ele deve ter percebido que meu cunhado é um excelente cozinheiro e prepara carnes deliciosas.

Embora eu esteja brincando, a situação é muito séria e triste. Nós invadimos os espaços desses animais. Queimamos - ou deixamos queimar - os lugares onde vivem. E ainda nos referimos a eles como invasores. 

Shopenhauer, o filósofo, estava certo quando disse:

" O homem fez da terra um inferno para os animais"


Anita Safer

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O Tempo

Foto: Liana Rocha

 - Oi! Quanto tempo, né?

Meu computador mental tenta achar a resposta. Faz muito tempo? O que seria muito tempo? Não consigo lembrar o tempo exato, mas respondo de pronto.

- Verdade. Um tempão...

O tempo e seus enigmas. Às vezes dizemos que ele está passando rápido demais. Minha mente - muito imaginativa - começa a imaginar o tempo, todo apressadinho, com os cabelos ao vento, olhando para o relógio (sim, o tempo tem um relógio, no meu delírio.... hahaha); ele passa voando, com sua pastinha debaixo do braço. O tempo corre...

Mas às vezes dizem que ele passa devagar. Lá vai o tempo caminhando a passos lentos, com seus fones de ouvido, ouvindo um reggae. De chinelão, ele não dá a mínima para algumas pessoas que estão aflitas, loucas para ver logo a pessoa amada, ou, quem sabe, o resultado daquela entrevista que fez.

O fato é que o tempo não tem tempo para nossas necessidades. Ele segue, no tempo dele; não temos ideia de qual seria. Só sabemos que a noção que temos a seu respeito muda, de acordo com o momento que estamos vivendo.

Minha irmã diz que o tempo é relativo, depende de que lado da porta do banheiro estamos...rs

Faço sempre uma lista de compras antes de ir ao mercado. Uma forma de não me distrair quando chegar lá e não sair feito uma doida, que coloca todas as gordices no carrinho. Abro o armário e vejo se ainda tenho arroz, ou se preciso comprar. Faço assim com os demais itens. Mas o tempo não está confinado dentro do armário. Não consigo ver a quantidade de tempo que ainda tenho. Nenhum de nós sabe disso, com certeza.

Costumamos dividi-lo em passado, presente e futuro. Mas, para mim, ele está presente em todos os tempos. Ele se faz presente nas lembranças do passado e nas expectativas do futuro. Quando presto atenção, lá está ele, sempre a postos, batendo os pés no chão. Em alguns momentos é magnânimo e valioso; como quando estou com as pessoas que amo, quando faço algo significativo ou quando tento ser uma pessoa um tiquinho melhor. Ah, esse é o melhor tempo do mundo!

Eu sigo de mãos dadas com ele, nos bons tempos e nos tempos ruins. Não posso apressá-lo e nem detê-lo. Ele vai deixando em mim as suas marcas. Por quanto tempo? Só o tempo dirá...


Anita Safer



domingo, 4 de julho de 2021

Karatê: Um golpe no sedentarismo


 E lá venho eu com minhas estranhas e maravilhosas manias. Sortear uma atividade nova para fazer. Dessa vez peguei minha caixinha de atividades e pá... tirei um papelzinho... KARATÊ. Lasquei-me. Sabe aquela coisa que você morre de medo de fazer? Pois é. Morria de medo de sortear alguma arte marcial. Se eu tenho medo, por que coloquei na caixinha, você me pergunta? Porque eu não regulo muito bem, essa é a verdade... hahaha. O importante é o desafio. Não tenho histórico de atleta, joguei meu handebolzinho na adolescência, mas só pra não reprovar em Educação Física. 

Mas, vamos lá. Nesse momento fui salva, em função do isolamento social. Aula presencial de karatê, nem pensar! Arrumei uma desculpa perfeita. Mas não quis fugir totalmente da raia, e hoje não temos mais desculpas, tudo se encontra nas mídias. Vou lá procurar um vídeo de aula de karatê online. Achei!

Gente, que surpresa boa, acreditem. E cá estou eu, seis meses depois, tendo treinado três vezes por semana, para dar o meu relato. Encontrei os vídeos do André Maraschin. Minha sala é pequena, mas tudo bem, também tenho braços e pernas curtos. Fiquei encantada com a maneira cuidadosa com que ele ensina. Respeitando as limitações de cada um, afinal, nem todos que assistem aos vídeos têm a ambição de se transformar em um Bruce Lee (mestre das artes marciais, que nem karateca era, parece...rs) - eu até queria, mas minha cara de pau não chega a tanto. E entre chutes e golpes os gatos se assustavam, às vezes, ou ficavam curiosos tentando entender o que a doida estava fazendo. No início tudo doía. Eu andava igual à uma mulher parida. Mas com o tempo fui me sentindo bem e até desejando que chegasse a minha hora de treinar. 

Acho bonito ver alguém que tem a humildade de ensinar o que sabe, no caso do André. E, de certa forma, me orgulho de ser alguém que tem a humildade de aprender. Por isso, prestei muita atenção às coisas que ele dizia, tanto quanto o empenho nos exercícios.

- Ser enérgico,  forte, e ao mesmo tempo, suave;

- O segredo é a repetição para atingir a perfeição (isso vale para tudo na vida!)

- É importante desenvolver as habilidades físicas; (importante para mim, a senhora intelecto...rs)

- Disciplina - fazer o que precisa ser feito;

- A persistência do treino você leva para a vida

Persistência. Uma palavra fraquinha de tudo no meu vocabulário. Mas, veja o que aconteceu. Diminui tremendamente meu vício em refrigerante. O karatê deu um gás pra isso. Entendeu o jogo de palavras? Troquei um gás (do refri) pelo gás que o karatê me deu...rs.

Concluí meu seis meses nessa atividade. Me despeço dela com gratidão. Especialmente ao André Maraschin, que, sem saber, foi meu mestre por todos esses meses. Que ele saiba que sua atividade pode transformar vidas. Agora parto para outra atividade e novos aprendizados. Mas, quem sabe, passada a pandemia, eu procure uma academia e, aí sim, me aguarde, Bruce Lee.


Anita Safer


https://www.youtube.com/user/marascas

segunda-feira, 21 de junho de 2021

 


Estelionato é uma palavra oriunda do termo em latim stellionatu, que significa uma prática criminosa. Desde que o mundo é mundo, os sujeitos dados a essa prática existem. Com o passar do tempo eles vão se aprimorando em seus métodos e hoje estão tecnológicos. Invadem seus celulares, roubam suas senhas. Alguns estão lá, presos nas cadeias do país, mas mesmo assim tocam o terror. Simulam falsos sequestros, deixando as pessoas apavoradas. Há um tempo atrás era comum o golpe do bilhete premiado. Outros vendem casas na praia, ou carros inexistentes. E, para cada golpista, há algum desavisado, que cai em sua lábia ou clica em um link falso. A tentação é grande quando oferecem algum prêmio fácil, grande e miraculoso, que pode te tirar da pindaíba. "Pindaíba", agora entreguei que sou das antigas... hahaha. Esse termo é de 1800 e qualquer coisa e eu continuo usando, só pra passar vergonha. Mas nem todo mundo é descuidado e cai nas manhas desses bons de lábia ou hackers do mal. Dona Maria é uma senhora esperta. Ela nunca estudou e não sabe escrever ou ler. Nenhum A. Nada. Mas o que lhe falta em estudo, sobra em sabedoria. Ela, beirando os 80, na época, ouviu palminhas na porta de sua casa. Morando sozinha, ela foi até lá ver quem era. O rapaz, todo bem vestido, muito simpático, iniciou o diálogo:

- Dona Maria de tal e tal? - perguntou falando seu nome completo. Ela fez que sim com a cabeça. 

Ele então continuou - Sou servidor do INSS e vim aqui para realizar sua prova de vida, para que a senhora não precise se locomover até a agência. Para isso só preciso que a senhora me mostre o seu CPF.

- Peraí que vou buscar o meu CPF, moço - ela disse. E voltou com uma vassoura na mão e deu umas vassouradas no rapaz pra ele deixar de achar que ela era besta. 

- Sou analfabeta mas não sou burra. Acha que não assisto jornal e que sei que não posso passar meu CPF pra qualquer um? - ela me disse, contando o acontecido. 

Depois de reportar o fato à sua filha, foram até o prédio do INSS. Tinham que denunciar a prática criminosa e realizar a tal prova de vida. Quiseram logo falar com o gerente, ou o chefe, ou sabe-se lá quem era o superior da sessão. Ele as atendeu com toda a educação. Mas, o mais curioso de tudo, era que o rapaz denunciado trabalhava mesmo no INSS. Tinha sugerido essa missão para facilitar a vida dos idosos. Uma sugestão nobre e, agora via, extremamente perigosa. O gerente expôs a situação para toda a sua equipe e elogiou a atitude de Dona Maria, que provava para todos que estava muito viva mesmo. E a ideia do nobre rapaz foi descartada, não passou no teste de Dona Maria. Outro exemplo de sabedoria e, pasmem, bom humor, aconteceu um dia desses.

Minha irmã contou, aconteceu com ela. Sei que um golpe desses não é assunto para rir - muitas pessoas são prejudicadas por esse mesmo golpe - mas, este, em especial, teve um desfecho curioso. É o mais comum golpe da atualidade. Eles ligam dizendo que são do seu banco e que alguém fez uma compra indevida em seu nome. O valor é alto, dizem, então precisam recolher seu cartão, para emitir um novo. E, "para sua comodidade", enviarão um funcionário em sua residência para pegar o cartão. Vocês devem conhecer bastante essa prática, é noticiada sempre na TV. Naqueles dias, tinham ligado algumas vezes para minha irmã. Ela até que estava quase acreditando na história, porque é muito convincente mesmo. Até porque eles pedem pra você ligar no número que está em seu cartão bancário, para confirmar que é mesmo do banco. Você liga e cai sabe onde? No contato dos golpistas. Eles conseguem fazer isso, é inacreditável! Por esta razão, quando isto acontece, os delegados dizem que você deve ligar de outro aparelho para o banco, porque eles conseguem puxar a ligação do seu aparelho, de onde falavam com você. Prosseguindo... Minha irmã recebeu outra ligação. Ela já tinha entendido a jogada, estava entediada com a pandemia e resolveu dar trela para a bandida, só pra ter alguém com quem trocar umas ideias. Segue o diálogo:

A golpista: Senhora fulana de tal? Aqui é do seu banco e observamos uma movimentação suspeita em sua conta. - Começou a relatar a moça, com voz de moça bancária, vamos dizer assim.

O conteúdo restante nem vou relatar, vocês já sabem como é. 

Minha irmã respondeu: Nossa, já tentaram esse golpe comigo a semana

passada 

Ela: E a senhora caiu?

Minha irmã: De jeito nenhum, e olha que a outra pessoa era mil vezes melhor que você. 

Ela: A senhora acha que eu tenho que melhorar? Está ruim? 

Minha irmã: Pra ficar ruim falta muito. Moça, só pra acelerar, no final você vai pedir o cartão, não é? Vamos marcar?

Ela, por fim: Eu não, pra senhora chamar a polícia? E desligou rapidamente o telefone. 

Ri muito dessa história. Como canta lindamente Diogo Nogueira - com seus belos olhos verdes a música de Bezerra da Silva... "Malando é malandro, Mané é Mané(Podes crer que é)."


Anita Safer


quarta-feira, 31 de março de 2021

As Flores da Empatia

Foto: Divulgação

Na água lodosa, no Oriente, uma flor consegue brotar. A flor de lótus. Suas raízes estão fincadas na lama, mas ela aparece com toda a sua beleza na superfície aquática. Durante a noite fecha suas pétalas e quando o dia amanhece as abre, mostrando suas cores e beleza. Considerada uma flor sagrada em muitas culturas, símbolo de elevação espiritual, elas hoje estão expostas, em forma de origami, na Unidade Básica 7 de Ceilândia, no Distrito Federal.  

A artista de origami, Ludmila Magalhães, com seu grupo Bem Dobrado, confeccionou mais de cinco mil flores de lótus de origami para homenagear os mortos pela Covid 19. Por coincidência, este foi o número de mortos no DF na ocasião da montagem do painel. Uma forma também de reconhecer o esforço dos profissionais de saúde na luta contra esta doença. O painel foi montado numa U.B.S. onde funciona um posto de vacinação. Além do valor estético, a obra montada é uma representação da empatia que precisamos todos demonstrar aos que perderam a vida e aos seus familiares. 

Assim como a flor emerge no lodo, o carinho e a esperança podem emergir neste momento em que todo o planeta sofre. Para superar, precisamos de amor, de cuidados, de colaboração mútua, da ciência. 

Me sinto honrada e me emociono por ter participado deste projeto. Parabenizo à Lu pela linda iniciativa. Também parabenizo cada pessoa que colabora para que este momento seja menos difícil; doando alimentos aos que necessitam, consolo aos que sofrem, se privando de abraços e presença física para se proteger e proteger aos demais, aos cientistas. 

O I Ching, oráculo secular chinês, sempre diz que precisamos atravessar a grande água, ou seja, superar as dificuldades e seguir em frente. Façamos como a flor de lótus, que atravessa a água para cumprir sua função, tornar este mundo um lugar mais bonito de se viver. 


Anita Safer

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Encontrando meu pai

 Está chegando o dia do aniversário do meu pai. Na verdade é o aniversário terreno dele. Ele mora agora em outro plano. Partiu pra outra jornada quando eu tinha 5 anos. Era muito pequena e não entendia essa passagem. Tenho uma leve lembrança de ter ficado com raiva dele; na minha concepção ele tinha morrido porque queria (nem imaginava o que era o tal do AVC). Como ele se atrevia a sumir e deixar minha mãe chorando e a casa naquela agitação? Estava acostumada com ele sentado na poltrona vermelha, com seu pijama listrado. Pouco importava se ele não falava ou pouco interagia. Era o meu pai e estava ali, onde eu podia brincar perto de seu pé. 

O tempo passa, as fases mudam, a gente vai elaborando aos poucos os acontecimentos de nossa existência. Quando alguém sai de nossa vida é como se faltasse uma peça de um quebra-cabeça. E lembro que tentei completar o jogo através dos sonhos. Sempre o mesmo sonho. Andava por uma casa, que sabia ser minha (era sempre a mesma casa). Fazia o mesmo trajeto e quando chegava em frente à uma cortina de renda eu parava e acordava. Nunca sabia o que estava naquele cômodo, fechado por uma cortina de renda. Com a ajuda de um analista, depois de muita elaboração, cheguei à conclusão de que aquele cômodo representava uma parte desconhecida da minha origem - pois as cortinas de renda me lembravam as casas do meu estado natal. A partir daí fui em busca do meu pai. As coincidências começaram a acontecer e, no final das contas, ele chegou até a mim. Sem saber do que me acontecia, meu irmão trouxe um livro que falava da origem da nossa família, até a chegada do meu pai. Minhas irmãs planejaram uma viagem para o estado onde nascemos. Foi uma viagem mágica. Ouvi muitas histórias sobre ele, sem que eu perguntasse. Então a imagem dele foi se formando. Aos poucos percebi que ele não tinha ido embora. Ele estava me colocando pra dormir andando pela rua perto de casa. Ele era inteligente e discreto. Ajudava muita gente, Gostava de roupas claras e tinha uma linda letra. 

Meu pai sempre esteve aqui. Sua participação na minha vida tinha sido "terceirizada" na minha lembrança. Através do meu irmão Clodo que, na minha lembrança, me levava no colo pra dormir na cama, quando eu já estava adormecida no sofá da sala. Ele demonstrava cuidado e preocupação, sempre. Através do Clésio ele me fazia rir, cantava músicas engraçadas e me levava de carro, acelerando nas tesourinhas, pra que eu risse e esquecesse a dor da antitetânica que havia tomado. O Cli veio concluir esse cerco de afeto já na adolescência. Passou a ser minha referência. Me fez amar o cinema, a escrita jornalística. Seu jeito leve e presente me deixava segura. Ele me via, me enxergava e me valorizava. 

Minha mãe supria tudo o que conseguia e o feminino transbordava na minha vida. Minhas irmãs eram a minha luz. 

Hoje penso sobre uma coisa. Algumas vezes a ausência se faz mais presente que a presença. Agora entendo o porquê. A ausência é uma história inacabada. É como assistir a uma série, ela para de repente e você fica esperando que saia uma nova temporada. Só que nessa série aquele personagem nunca mais aparece e ele era importante para a trama. Mas gosto dessa série. Amo os outros personagens e continuo assistindo e, veja só, protagonizando. E se a ausência está presente, ele está aqui, sempre esteve e sempre estará. Feliz Aniversário para o meu pai. Obrigada por ter voltado pra mim.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Cartas para o passado


Um dia desses tive a oportunidade de fazer um contato interessante com uma pessoa que fez parte da minha vida há vinte anos atrás. Esse contato foi através de uma carta, que escrevi pra ela. Lembrei de como ela era na ocasião; seus medos, suas dúvidas, o amor que sentia, o amor que deixara de sentir. Na ocasião, o futuro era incerto, cheio de fantasmas. Quem nunca teve um momento em que a cabeça era como uma mansão mal assombrada, cheia de sustos e aparições? Aquele arrepio na alma, como quando se ouve o estalar de um telhado antigo? Mas, também, quem nunca teve a cabeça povoada de lindos sonhos, planos e desejos? Como se o Universo fosse indicar os melhores caminhos em direção ao tal "final feliz"?
Foi gratificante lembrar a essa pessoa que as coisas mudam, que os desafios podem ser superados, que a gente cresce com as dificuldades e que aprende a valorizar os bons momentos. Ela mudou nesses vinte anos, mas é ainda a mesma. A mesma pessoa, só que transformada. 
Essa pessoa sou eu.
Fui desafiada por uma amiga a escrever uma carta para mim mesma de vinte anos atrás. Ela se inspirou naquela propaganda em que o Rodrigo Santoro escreve cartas para ele jovem e ele jovem escreve cartas para ele mais velho. Mas, como não se inspirar com Rodrigo Santoro, não é mesmo? hahaha.
E se você se desafiasse a fazer esse contato com você de vinte anos atrás... o que diria? O que conseguiu superar, aprender, conquistar? 
A verdade é que faz muito sentido uma frase dita por Heráclito, ou Buda, ou não sei quem (hoje atribuem as frases mais diversas até à Cecília Meireles... vai saber... rsrs)  -  "Nada é permanente, exceto a mudança". 
Você ainda mora no mesmo lugar? Convive com as mesmas pessoas? Realiza as mesmas atividades? Seu corpo ainda guarda as mesmas características? Com certeza nem todas as respostas serão sim. Mas contar para você do passado o que encontrou no futuro pode ser terapêutico. Talvez você perceba que conseguiu chegar até aqui. Que algumas coisas ficaram melhores, outras não, mas que essa é a sua história e de mais ninguém. Você é autor e personagem. O roteiro foi escrito por você, com participação de pessoas que passaram por sua vida e que, com seus atos, alteraram alguns capítulos. Da mesma maneira que você alterou o capítulo de muitas histórias que andam por aí. 
Sua história pode ser um romance, uma tragédia, uma comédia ou drama. No geral é tudo isso, junto e misturado. Mas tudo está em constante mudança e é isso que posso dizer para a pessoa que serei daqui a vinte anos, se tiver a oportunidade de estar lá. Bora escrever mais uns capítulos, mesmo que sejam curtos, até concluir a nossa história.

Anita Safer

sábado, 9 de janeiro de 2021

Geografando

Foto: Cléo Arce

Meu desafio no segundo semestre de 2020 foi estudar Geografia. Achei legal, porque a pandemia não permitiu que eu fizesse coisas que precisasse sair muito de casa. A internet está povoada de vídeos e textos sobre qualquer assunto que a gente quiser, então foi só separar um horário do dia e mandar ver nos estudos. Encontrei até um professor bravo, que parecia estar me vendo e quando eu ia me distraindo, ele gritava: Presta atenção!!! hahaha... era cada susto. E lá fui eu, passeando por planícies e rios, me queimando no interior do planeta. Visitei espaços urbanos e rurais. Esbarrei em fronteiras e sistemas socioeconômicos diversos. As marés subiram e desceram. Os ventos vieram de todas as direções. Lembrei da música Sangue Latino que diz: "Os ventos do norte não movem moinhos"; dizem que é porque o tal do "vento alísio - que é um vento do norte -  perde a força em contato com o ar quente equatorial e não consegue mover moinhos". Achei divertido saber que tem um estádio no Macapá que tem o apelido de Zerão; o apelido é porque a linha do meio de campo coincide com a linha do Equador, ou seja, cada lado do campo fica em um hemisfério... hahaha. 
Mas é incrível como me identifiquei com o planeta, e não só por sermos dois gordinhos. Temos rios (veias), estações (estados de humor), temos nossas fronteiras (limites). Percebo como maltratamos o planeta todos os dias; pensei em como cuido de mim. Sei que deixo a desejar nessa luta individual e coletiva, por melhorar as coisas. 
É incrível como tudo na natureza é muito perfeito, como ela tentou se adaptar às mudanças que sofreu, como o planeta tenta carregar com o mesmo cuidado todas as criaturas - palavras do I Ching, oráculo milenar chinês. Então aprendi com a Geografia que preciso ser mais consciente, que não sou o centro e sim uma pequena parte de um todo. Dependemos uns dos outros e todos de um sistema maior que nós. Quero observar mais as paisagens internas e externas e aprender com elas. Cada desafio que me proponho me abre um horizonte. Por isso quero seguir sorteando desafios da minha caixinha de atividades. Neste semestre vou treinar karatê  e espero estar contando que aprendi algo novo, pois tenho muito o que aprender. Muitas coisas eu sei que ainda não sei.

Anita Safer