sexta-feira, 12 de julho de 2013

Um encontro com a sabedoria


Arquivo pessoal

Quando minha irmã Cleo era viva, criou um grupo de encontro da terceira idade em nossa quadra. Nesses encontros ela convidava profissionais de saúde e de diversas outras áreas para dar palestras aos idosos. Promovia bailes, passeios, workshops e outras atividades. Um dia ela me pediu que criasse um grupo de teatro com eles. Topei o desafio na hora. O grupo foi formado por algumas poucas mulheres. Assim nasceu o Grupo de Teatro Digna Idade. Tinha a participação da Gilda, que estava longe de estar na terceira idade, mas era super animada e também quis participar. A primeira peça que escrevi para elas chamava-se O Encontro com a Sabedoria. Era a história de uma mulher sofrida, alcoólatra, que ia encontrando pouco a pouco algumas virtudes (representadas pelas atrizes), sendo que a última virtude com quem ela se encontra é a sabedoria e, a partir daí, a vida dela sofre uma transformação.

Todas elas eram maravilhosas. Talentosas, dedicadas, divertidas. Nossos ensaios eram sempre marcados para antes ou depois das novelas que cada uma gostava. Eram muitas negociações. O que eu não imaginava é que através desta peça eu teria um encontro pessoal com a sabedoria. Justamente a atriz que interpretou o papel da mulher que se encontrava perdida, Judith, se revelou uma pessoa incrível e que, a partir de então, tem me dado lições de vida e sabedoria. Na época ela estava quase com 90 anos. Possuía uma juventude exuberante refletida no olhar cheio de brilho e no sorriso aberto. Uma mulher lúcida, inteligente, espiritualizada. Sempre dizia o que queria, o que achava, de forma direta, mas com bom senso. Dava idéias maravilhosas para o texto e para as cenas. Nosso trabalho acabou ultrapassando as fronteiras de nossa quadra. Após uma apresentação simples, num salão de festas, elas foram convidadas para apresentar na UnB, no Conjunto Nacional e no aniversário do Pontão do Lago Sul, onde Judith foi aplaudida de pé.

Em seguida fizemos uma peça chamada Vitalina quer casar. Quem era Vitalina? Judith, claro. O cenário da peça era um bar de karaokê, onde a filha, a irmã e uma amiga de Vitalina se encontravam, desesperadas porque ela tinha resolvido casar e decidiu que encontraria um noivo naquele bar, naquele dia. Como era um bar de karaokê, elas cantaram e arrasaram. Judith interagia com a platéia procurando seu noivo, o que rendeu muita diversão.

Depois escrevi uma peça para o outro grupo que criei (de teatro infantil) e uni os dois grupos. Era uma versão moderna de Chapeuzinho Vermelho, chamada Chapeuzinho Rebelde e o Lobo Mala. A vovó foi a Judith e ela dançou funk na peça. As crianças ficaram apaixonadas por ela. Impossível não se apaixonar. Além de grande atriz, ela é artista plástica, artesã e fazia dança cigana na época. Antes de completar os noventa anos pediu que eu fizesse pra ela uma festa surpresa. Sempre queria saber como estavam os preparativos de sua festa surpresa. Eu morria de rir. A festa foi feita, não faltou quem quisesse ajudar.

Hoje não sei ao certo a idade dela. Isso não tem importância, ela é atemporal; mas sempre puxa minha orelha: “Bora logo fazer outra peça, menina, antes que a cortina se feche”.

Um dia desses, minha filha, Érica, perguntou a ela qual era o segredo para viver bem. Ela respondeu: “Todos os dias, independente das dívidas, dos problemas e chateações, eu ligo a TV à noite e assisto às minhas novelas. Sei que vou dormir e quando acordar no dia seguinte os problemas estarão me esperando, então, pra que me afobar, me desesperar e, pior, perder um capítulo da novela? No outro dia acordo e vou tentar resolver as coisas; às vezes a solução vem à mente quando estamos relaxados ou dormindo”.

Viver um dia de cada vez, querer sempre aprender coisas novas, não ter medo de desafios, saber que tudo tem seu tempo e deslizar pela vida dançando e fazendo amigos... São coisas que tenho aprendido em meus encontros com a sabedoria. Obrigada Judith, sou sua fã eterna.

Anita Safer

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