sábado, 18 de agosto de 2018

Vai que é tua...

Foto: Alexandre Romero
Quando eu ainda era uma "xóvenzinha" jogava handebol no time da escola. Por cinco anos fui goleira titular. Goleira sim... Estou ouvindo risadinhas? Ouço hahaha? Ouço kkk? Mas é sério. Não sei como isso aconteceu. Sou muito baixinha e muito míope. Tinha que jogar sem óculos, ou seja, só via a bola quando ela tava na minha cara, quando percebia um ventinho dela passando por mim e indo pro gol ou a sentia arrebentando meus peitos. Mas treinava muito as bolas altas pra não ser muito humilhada. Dava uns voos aleatórios pra tentar pegar algo na sorte. Escola é assim, insistem em te colocar em situações vexaminosas. Mas era divertido. Por que lembrei disso mesmo?...
Tá, lembrei. Estava passando por uma quadra de esportes e parei. Parei porque os ipês amarelos floresceram. Parei porque um banco me convidou, galantemente, para que eu me sentasse. Não resisti. Na quadra de esportes em frente ao banco rolava uma partida de futebol. Eram alguns homens e alguns meninos. Eles se misturavam, ora eram homens/meninos, ora meninos/homens. Mas não vi meninas, o que lamentei. Talvez fosse minha missão ser a mulher/menina que faria parte daquela cena. E no corre pra lá e pra cá do jogo algo chamou minha atenção. O goleiro. Ah, esses goleiros são mesmo umas peças raras. Ele era pequeno, devia ter uns oito ou nove anos. Ostentava uma linda e nova luva de goleiro. Ressalto que todos os demais só estavam com aquele uniforme tradicional de peladas informais (os com camisa e os sem camisa). Mas o pequeno goleiro estava lá, todo garboso, com suas luvas. O interessante é que ele não se conformava em ficar no gol. Ele ia da defesa pro ataque, corria junto com o contra-ataque e eu pensava... "Meu Deus, ele está atacando a si mesmo... Parece mais uma doença autoimune". Esses goleiros! Ninguém, além de mim, se preocupava com isso. O mais incrível é que estando ele no gol, ou fora dele, parava tudo e ficava olhando pra suas luvas. Extasiado. Perdi a conta de quanto estava o jogo, quantos gols ele levou, evitou ou tentou fazer. Só via sua alegria em estar jogando com suas lindas luvas novas.
Me peguei pensando em como sou assim, às vezes. Quero estar em mil lugares ao mesmo tempo, fazer diversas coisas. Meio "sem noção" em alguns momentos, sem saber que tenho que ficar no meu lugar...rsrs. Quem nunca, não é mesmo? Mas, assim como aquele menino, às vezes paro pra ver as coisas maravilhosas que tenho em minhas mãos. Meus bens mais preciosos estão juntinhos a mim. Todos e tudo que amo. Aí eu vejo que a vida é mesmo um jogo. Ouço até Elis Regina cantando - com aquela voz de diva - em minha cabeça "Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar..."

Anita Safer


quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Clicando e aprendendo

Já comentei algumas vezes aqui que costumo sortear alguma atividade nova pra fazer a cada ano. Este ano sorteei aprender coisas pela internet. Dizem que a rede tem um "mondicoisa" que não presta. E é verdade, tem mesmo, quem vai negar? Mas tem muita coisa legal. Tantas que não consegui me fixar  em uma só. 
Um dia comecei a fazer Tai Chi Chuan com o mestre "X". Mas também achei legal fazer ginástica com a mocinha jovem e sorridente. Ela sorria de lá e eu me esbaforindo do lado de cá (mas tentando sorrir pra ficar simpática que nem ela, já que não conseguia reproduzir a silhueta sarada). O crochê eu já tinha me aventurado um tempo atrás. O primeiro sapatinho de crochê que fiz foi puramente emocional, quis fazê-lo pra presentear um amigo querido, que ia ser pai. Desculpa, Lêu! Ficou horrível, mas foi de coração. Eu sempre acho muito legal quando recebo presentes feitos pela pessoa. Acho fofo. Carinhoso. Então, de vez em quando, tento presentear alguém com algo que fiz. Lembro que a minha primeira investida neste campo foi quando eu era criança e tínhamos que fazer um presente de argila pro dia das mães. Enquanto as coleguinhas confeccionavam lindas pulseiras e cinzeiros eu mandei ver numa escultura. Era pra ser um lindo rosto, mas virou uma espécie de carranca, que afastava todo o mau olhado (e os bons também...haha). Mas quanto ao crochê eu até que aperfeiçoei um pouquinho. Fiz uma roupinha pra minha neta Isabela, que tem o dom de deixar qualquer roupa linda de morrer. Modelo profissional é outra coisa...rs
Então resolvi aprender sobre Einstein e a Teoria da Relatividade. Descobri que tudo é relativo. Existem duas pessoas, um saca de exatas e tem um raciocínio lógico e a outra sou eu; logo, aprender sobre física é uma coisa relativa - ou seja,  não entendi absolutamente nada, ou "relativamente" coisa alguma. Fui fazer um curso de empreendedorismo, mas ele exigia uma certa disciplina que minha mente se recusa a seguir. 
E o ano continua. E tome sites de receitas, como tirar a sujeira do microondas. Tutoriais de maquiagem, de costura, artesanato, jardinagem, marcenaria... Aff... Fico louca!
Seguirei até o final do ano tentando aprender uma coisinha aqui, outra ali. E ano que vem os papeizinhos do sorteio dirão qual será a minha nova aventura.

Anita Safer

Era pra ser um bom dia

A senhora caminhava a passos rápidos. Era sua caminhada matinal. As bochechas estavam rosadas pelo visível esforço. Assim como era visível o esforço da calça legging em conter os quilos a mais que ela buscava eliminar. Distribuía bons dias a todos. Recebia de volta variados tons de bom dia. Uns sorridentes, outros reticentes... Alguns não combinavam com o rosto - enquanto a voz dizia bom dia os olhos não ocultavam o dissabor - mas respondiam, afinal, era isso o que se esperava.
Ao passar pelo rapaz, jovem ainda, ela escolheu o melhor sorriso e despejou um sonoro... BOM DIA!
Ele seguiu seu caminho. Nem um bom dia, nem um olhar, nem um sorriso. Ignorou seu sorriso, suas palavras, sua legging contida... Ignorou.
No mesmo instante a decepção tomou conta do sorriso da mulher. Dos lábios onde habitavam os bons dias saíram palavras ditas como que para si mesma:
- Juventude mal educada!!!
Ela não percebeu que ele havia respondido sem palavras. Não percebeu a mochila, aparentemente, pesada que ele carregava nas costas. Sabe-se lá quanto peso ele carregava nas costas! O olhar dele fixo no chão. A silhueta curvada,  quase dando um nó, como se buscasse a posição fetal. Não pode ver os pensamentos flutuando em volta daquela cabeça jovem. Ele não usava legging. Não era a calça que o continha, mas todo ele estava contido. Absorto em seus pensamentos. Talvez pensando em muitas coisas, talvez não pensando em nada. Ele era jovem, sim. Talvez não fosse mal educado, ou talvez fosse... Vai saber.  A mochila podia estar pesada ou vazia. Ele pode nem ter escutado o bom dia, ou ter mesmo ignorado. Mas ele não precisava ser o motivo de fazer com que ela descesse do céu ao chão. Aquele julgamento meteórico que condenou toda uma juventude ao rótulo de mal educados foi um indício de que, além de estar usando uma  legging, talvez ela carregasse nas costas também uma mochila invisível, pesada, buscando sentido e alegria em uma caminhada e em uma boa dose de bons dias. Nem todos os dias são bons, nem para a moça da legging, nem para os que andam reticentes, menos ainda para os que ocultam o dissabor, nem para o jovem da mochila. Eu e você também não temos todos um bom dia, mas temos aqueles momentos em que despimos as leggings e nos livramos do peso nas costas. Aí sim, podemos dizer com sinceridade... Bom dia!

Anita Safer