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Foto: Liana Rocha |
Não sei quanto a vocês, mas, quando olho para um objeto antigo, minha alma viaja. Minha mente começa a imaginar em que momentos da vida de alguém ele esteve presente. Foi fonte de alegria? Quantas mãos o utilizaram? Como ele resistiu ao tempo e chegou até aqui?
Uma máquina de costura bem antiga estava entre os itens que minha amiga Sílvia estava doando. Ela fez um encontro de desapego com algumas amigas - eu, inclusive - pois queria que a gente visse se queríamos alguma coisa. Uma amiga nossa, inicialmente, ficaria com a máquina, mas sentiu que não a usaria por falta de tempo e não queria prejudicar o fluxo da história de vida daquela máquina, que era cheia de encanto. Em frente àquela máquina de costura, a mãe de Sílvia sentava-se, às vezes, dia e noite. Ela mirava uma lanterna para iluminá-la quando a luz do dia ia embora.
Os carretéis de linha bailavam, a agulha subia e descia, pespontava, ziguezagueava, dava forma a tecidos, que, magicamente, transformavam-se em lindas peças. Lindo também devia ser o brilho nos olhos da Sílvia menina que, de tanto observar, foi aprendendo aquele ofício e se tornou a herdeira daquele tesouro. Agora era o tempo de passar adiante aquela máquina. Não havia uma herdeira natural. Não haviam olhos brilhantes costurando sonhos e ideias ao ouvir o som do motor, a cada pedalada.
Sílvia conversou em pensamento com sua mãe, que já está em outro plano, e pediu que ela escolhesse quem seria a pessoa que herdaria a máquina. Eu acredito nessa energia boa que o pensamento promove, unindo existências. É como se um roteiro, cheio de magia, fosse sendo escrito. E assim a mágica se fez. Comentando com minha nora Liana sobre a máquina, os olhos dela brilharam, talvez como os olhos da pequena Sílvia brilharam um dia. As duas têm a mesma raiz; foram criadas ao som de uma máquina de costura e ao som do samba. Interesses trazidos pela ancestralidade unem, no curso das vidas, pessoas afins.
Agora Liana está feliz e cheia de planos. Sílvia também está feliz, por sentir que sua escolha foi abençoada. Como a vida é poesia quando vivida com a alma e com o coração!
Anita Safer