segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Encontrando meu pai

 Está chegando o dia do aniversário do meu pai. Na verdade é o aniversário terreno dele. Ele mora agora em outro plano. Partiu pra outra jornada quando eu tinha 5 anos. Era muito pequena e não entendia essa passagem. Tenho uma leve lembrança de ter ficado com raiva dele; na minha concepção ele tinha morrido porque queria (nem imaginava o que era o tal do AVC). Como ele se atrevia a sumir e deixar minha mãe chorando e a casa naquela agitação? Estava acostumada com ele sentado na poltrona vermelha, com seu pijama listrado. Pouco importava se ele não falava ou pouco interagia. Era o meu pai e estava ali, onde eu podia brincar perto de seu pé. 

O tempo passa, as fases mudam, a gente vai elaborando aos poucos os acontecimentos de nossa existência. Quando alguém sai de nossa vida é como se faltasse uma peça de um quebra-cabeça. E lembro que tentei completar o jogo através dos sonhos. Sempre o mesmo sonho. Andava por uma casa, que sabia ser minha (era sempre a mesma casa). Fazia o mesmo trajeto e quando chegava em frente à uma cortina de renda eu parava e acordava. Nunca sabia o que estava naquele cômodo, fechado por uma cortina de renda. Com a ajuda de um analista, depois de muita elaboração, cheguei à conclusão de que aquele cômodo representava uma parte desconhecida da minha origem - pois as cortinas de renda me lembravam as casas do meu estado natal. A partir daí fui em busca do meu pai. As coincidências começaram a acontecer e, no final das contas, ele chegou até a mim. Sem saber do que me acontecia, meu irmão trouxe um livro que falava da origem da nossa família, até a chegada do meu pai. Minhas irmãs planejaram uma viagem para o estado onde nascemos. Foi uma viagem mágica. Ouvi muitas histórias sobre ele, sem que eu perguntasse. Então a imagem dele foi se formando. Aos poucos percebi que ele não tinha ido embora. Ele estava me colocando pra dormir andando pela rua perto de casa. Ele era inteligente e discreto. Ajudava muita gente, Gostava de roupas claras e tinha uma linda letra. 

Meu pai sempre esteve aqui. Sua participação na minha vida tinha sido "terceirizada" na minha lembrança. Através do meu irmão Clodo que, na minha lembrança, me levava no colo pra dormir na cama, quando eu já estava adormecida no sofá da sala. Ele demonstrava cuidado e preocupação, sempre. Através do Clésio ele me fazia rir, cantava músicas engraçadas e me levava de carro, acelerando nas tesourinhas, pra que eu risse e esquecesse a dor da antitetânica que havia tomado. O Cli veio concluir esse cerco de afeto já na adolescência. Passou a ser minha referência. Me fez amar o cinema, a escrita jornalística. Seu jeito leve e presente me deixava segura. Ele me via, me enxergava e me valorizava. 

Minha mãe supria tudo o que conseguia e o feminino transbordava na minha vida. Minhas irmãs eram a minha luz. 

Hoje penso sobre uma coisa. Algumas vezes a ausência se faz mais presente que a presença. Agora entendo o porquê. A ausência é uma história inacabada. É como assistir a uma série, ela para de repente e você fica esperando que saia uma nova temporada. Só que nessa série aquele personagem nunca mais aparece e ele era importante para a trama. Mas gosto dessa série. Amo os outros personagens e continuo assistindo e, veja só, protagonizando. E se a ausência está presente, ele está aqui, sempre esteve e sempre estará. Feliz Aniversário para o meu pai. Obrigada por ter voltado pra mim.