sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Braços que acolhem

Foto: Morgana Guimarães
Fiz uma pequena viagem no feriado. Não, não fui pro Rio de Janeiro como a foto parece levemente sugerir. Fui pra Morrinhos/GO passar uns dias com meu filho e sua família. A cidade tem seu próprio Redentor. Bonito. Assim como o lago e seus arredores. A cidade calma, calma. E eu fiquei calma, calma, curtindo as pessoas queridas, a cadeira de balanço de "macarrão" (nordestinos entenderão), a rede e os gatos. Nessa calmaria descansei a mente e dei folga pra rotina. É bom mudar um pouco a paisagem, é saudável.
Na volta o motorista que conduziu o ônibus de Morrinhos à Goiânia foi parando o tempo todo. Ele parava para os que pediam pra que ele parasse e os que não pediam ele parava também, vai que queriam...haha. Via a hora dele parar em cada poste, para cada cachorro que caminhava distraído ao lado da pista. Lá estava eu, rapidamente voltando ao meu pensamento acelerado e resmungos internos. Mas me dei conta a tempo de parar o processo e curtir a viagem e a paisagem. 
Cheguei em Goiânia bem na hora de pegar o segundo ônibus. Nem deu tempo de curtir a "rodovishopping" de lá, um espetáculo. Enquanto entrava no ônibus esticava o pescoço pra ver o que tinha mais pra ver. Um dia volto pra passar três dias naquela rodoviária...rsrs. Quando cheguei na poltrona 14 - a minha, para meu uso pessoal (que não era na janela, o que seria perfeito, mas tava boa pra mim) - o senhor que já estava sentado na poltrona 13 dele (na janela, sortudo!), olhou sorrindo pra mim e disse: Seja bem-vinda! Que tenhamos uma boa viagem. Ao me sentar começamos uma conversa boa como se velhos amigos fôssemos. Ele cheio de bagagem, não daquela viagem, mas de vida. Uma boa parte da estrada passou sem que eu me desse conta.
Esse gesto natural e simples com que ele me recepcionou me fez lembrar do quanto estamos desconectados das pessoas, em geral. E a demonstração de acolhimento, por parte de uma pessoa desconhecida me surpreendeu. Vamos combinar, ser acolhido é sempre muito bom. Não importa de onde você vem ou pra onde vai, o que carrega na sua bagagem. Ser apenas acolhido. Como fui em Morrinhos por minha família que está lá. Como sou pelas pessoas que me amam e até pelo senhor da poltrona 13. Acredito que aquele Cristo de braços abertos quis me dizer alguma coisa. 

Anita Safer

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Era cilada!

Foto: Érica Perotto
Era uma manhã normal de "periguetagem".
Periguetar - do verbo ir ao mercado fazer compras de mês com a nora e a filha. Com direito a café da manhã na rua, ótimos papos e muitas risadas...hihihi.
Existem outros significados pro termo, mas esse é o nosso, de uso pessoal.
Depois das compras, no estacionamento, ele chegou. Festivo, até meio eufórico.
- Olha só! Só porque aposentou não lembra mais dos amigos...
E veio trazendo o sorriso de X e os braços abertos em minha direção. Eu, pega de surpresa, dei um sorriso amarelo - sem X, eu acho. Ele continuou:
- Tá lembrando de mim?
- Acho que tô. (Claro que não! Embora ele parecesse familiar... Que droga! Isso sempre acontece comigo. Minha memória se diverte ao me fazer passar vexame).
- Você está ótima!
- E você, o que conta de novo? (Velha tática pra tentar obter informações)
Então a expressão dele mudou. O sorriso de X deu lugar a um rio de lágrimas sobre seus olhos... Do riso fez-se o pranto...
- Lembra do meu irmão, o Carlão?
Agora piorou, pensei. Além de não lembrar dele ainda vou não lembrar do Carlão... E o assunto prosseguiu:
- Carlão morreu. Um acidente horrível!!! Um pedaço dele ficou preso na maçaneta da porta do caminhão. Vai passar hoje na TV. Minha mãe tá desesperada e eu tenho que providenciar tudo. Fui comprar o caixão, mas é muito caro, faltou 98 reais. Então vim aqui ver se conseguia alguma ajuda. (No mercado? pensei). Você tem como me ajudar?
Eu ainda tava chocada com a tragédia do Carlão e seu pedaço preso à carroceria do caminhão quando ele falou:
- Você não lembrou ainda de mim, né? Qual o último lugar que você trabalhou?
- No Jardim
- Isso, é de lá - Voltou o sorriso de X.
Epa! Peraí! Do último lugar que eu trabalhei ainda lembro bem. E lá não tinha esse sujeito e nem irmão chamado Carlão. É um GOLPE!!!
Dispensei o sujeito. Quando entrei no carro minha nora perguntou:
- Quem era?
- Não faço ideia.
- Mas ele parecia tão íntimo...
E minha filha cantou: "Não era amor, era cilada..."
Ô mundo bandido!

Anita Safer