segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Causos de Vô Biló

Foto: Arquivo pessoal de Márcia Alves
Existem histórias, ou "causos", que me encantam. É muito bom ouvir. A minha família é recheada deles. Mas resolvi contar um que me divertiu bastante e trouxe um certo ensinamento. Minha amiga Márcia - estou sempre falando dela, mas é porque andamos muito juntas, eu, ela e Sílvia. Nos auto denominamos As Bunitas...rs - me contou este causo de seu avô. Resolvi publicar essa história, que escrevemos juntas, Márcia e eu. Vô Biló é avô de Márcia por parte de pai. Pra começar ele se chamava Severino. Havia quem jurasse que ele fosse japonês. Até mesmo seus familiares suspeitavam disso. Mas, que nada. Filho de índio com português deu nisso. Um legítimo Paraíba-Nipônico...haha. Na Paraíba todo Severino é Bill, mas este Severino tinha um diferencial... Era um paraibano da gota serena. Dizem que ele era muito curioso e esperto e ao escutar muitas vezes a expressão "Bill ó", acabaram por aglutinar seu nome e surgiu o "Biló". Pronto. Já estava mostrando que chegou chegando. Seu Biló sonhava em entrar pro serviço no quartel, mas não sabia como. Então descobriu que em uma cidade próxima estavam recrutando sujeitos para fazer parte do quartel local no serviço de construção, para ajudantes de pedreiro. Lá foi Biló, ele e seus sonhos. Sorriso no rosto, trilha sonora no coração. Dessa trilha sonora falarei logo, logo. Chegando lá foi para a revista no quartel. "Só vai ficá quem soubé erguê muro, soubé fazê fundação, soubé alinhá ladrilho e empareilhá bem certinho os tijôlus. Quem aqui já trabalhô como ajudante de pedrêru?" Perguntou o oficial. Foi aí que seu Biló, na época o jovem e magrelinho Severino, levantou a palma da mão e disse bem alto: "Eu. Eu sou bom nisso! Ergo muros como niguém! Sou bom mesmo! Ninguém é melhor ajudante de pedreiro do que eu!" Pronto. Biló entrou no quartel. Logo mais, no alojamento, ainda segurando a farda nas mãos e indo ver em qual cama iria se deitar logo mais, deu de cara com um outro moço que acabara de conseguir se alistar; querendo fazer amizade (e também se safar da mentira que acabara de pregar), jogou esta: "Ei, cabra, tu me ensina a fazer esse trabalho de ajudante de pedreiro? Porque eu nunca nem peguei num tijolo na vida!" E ao olhar pra cara do "peste" escutou esta frase: "Valha-me Deus! Era eu que ia te pedir isso". O fato é que nenhum dos dois sabia nadica de nada do serviço. Mas fizeram o tal do muro e ficou uma belezura. Tá de pé até hoje. Foi construído na base da camaradagem e camaradagem é que dá sustentação a muitas coisas, inclusive a um bom muro. Esta história, porém, não foi a que mais me fez ficar fã de Vô Biló. Ela só serve de pano de fundo pra que eu fosse formando a ideia do homem que ele era. Vô Biló tinha um talento. Era músico, o danadinho. Ele tocava corneta no quartel e pistão na banda da polícia. Vida de músico nunca foi fácil. Mas, pra quem sabe bem viver, as coisas acabam acontecendo, de um jeito ou de outro. Não podia ter festejo, serenata, show, procissão, quermesse e lá estava Vô Biló. Todo mundo admirava e respeitava seu talento. Sempre o chamavam pra tocar em todos os lugares; e ele sempre ia porque de vintém em vintém a gente chega lá. Houve um baile de carnaval em que os músicos estavam muito cansados e queriam mesmo era ir pra suas casas. O contratante do baile disse aos músicos que tinham que tocar mais duas horas. Foi aí que Seu Biló disse aos outros "cabras": "Pois agora até o povo vai cansar, vamos tocar Andaluzia". E foi Andaluzia em samba, em xote, em marchinha de carnaval, em frevo. E haja Andaluzia... E não é que o povo gostou? Isso era nos anos 30 e quem passa lá pela cidade? Lampião. Isso mesmo, o cabra da peste. Ele era durão, como todos sabem. Mas gostava de uma boa música. Quem não? Pois assuntou sobre os talentos musicais da cidade e quem era o cara da vez? Isso mesmo, você já sabe. Vô Biló então foi tocar pro Rei do Cangaço. Caprichou no repertório e tome Andaluzia de tudo o que é jeito. Lampião era um homem vivido. Precisava ser muito esperto e ligado pra tocar todo aquele terror que ele tocava. "Peraí, peraí... Tem uma coisa errada nessa tocação. É impressão minha ou o sinhô tá tocando a mesma música a festa toda?". Vô Biló não se intimidou e confirmou. Afinal, ele não tinha motivo de se envergonhar. Tudo bem que só tocasse a mesma música. Mas fazia isso com maestria. Lampião olhou com cara feroz, mas disse docemente "Gostei do cabra, o cabra é valente! Toque mais um bocadinho que eu tô gostando de ouvir". E tome Andaluzia. Como não apaixonar por uma figura dessa? Eu apaixonei. Achei essa história cheia de sabedoria. É possível ser extremamente feliz e produtivo com o que se tem. O pouco pode se tornar muito se você usa o que tem com sabedoria. Valorizar quem você é, ter orgulho de seus dons. Compartilhar o dom que tem pra ser feliz e fazer os outros felizes. Grande beijo, vô Biló. Toque Andaluzia por todo o céu, onde faz morada. Agora fico me perguntando se Newton Mendonça não teve um momento mediúnico quando compôs (com Tom Jobim) o Samba de uma nota só. Isso tem o dedo de Seu Biló... Ah, tem...



Anita Safer e Márcia Alves
                                                                                                                                                                                              

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Finados. Será?

Dia de finados. Vou ao cemitério com a Clélia, minha irmã. Vou todos os anos, minha mãe me criou com esse ritual. Ela comprava velas, flores, rapé (é, ela cheirava rapé) e íamos visitar meu pai, que morreu quando eu era criança. Mas ela não ia tristonha e abatida, ia toda linda. E prática. Mandou colocar um banquinho perto do túmulo pra gente sentar. Dizia que quando ela se fosse deveríamos mandar fazer uma arquibancada, pois a família é grande (assim como a auto estima dela...rs). Hoje a visita foi pra ela, pro meu pai e pra meus irmãos Cleo e Clésio. 
Lembrando assim da minha mãe não consigo associá-la, ou aos outros, à palavra "finados". Finado - adjetivo que qualifica algo ou alguém que finou, que chegou ao fim. Eles estão longe de terem chegado ao fim. Meu pai ainda hoje é um enigma que minha mente infantil busca decifrar, no meu eterno Complexo de Electra, uma vez que ele morreu quando eu era ainda muito pequena. A minha doce Cleo está viva com sua dancinha charmosa e sua generosidade sem fim. Ela e seus presentes otimistas, como quando nos dava um chaveiro para colocarmos as chaves do carro que ela afirmava que iríamos ter (embora nossa realidade financeira não concordasse com esta possibilidade). O Clésio está vivo no seu jeitinho próprio de prender o cigarro com os dentes, como se fosse extensão de sua pessoa e no ato de jogar os bebês pro alto, beemmm pro alto, pra alegria dos bebês e desespero total das mães. Permanece muito vivo em suas canções espetaculares e no meu coração. Minha mãe, então, é como Elvis, não morreu.
No fim das contas, quem amamos não morre nunca. Como morre o amor? Só vivemos um afastamento momentâneo que nos deixa cheios de saudade.
Hoje fomos ao cemitério e não compramos rapé (não herdamos este hábito), mas sentimos a presença prática de nossa mãe mostrando que a lápide quebrou de ladinho e que precisamos gravar o nome de nosso irmão, o que ainda não fizemos; acho que porque resistimos, inconscientemente, à sua morte. Mas, vendo agora que a morte não significa que quem amamos é FINADO, vou terminar este texto com reticências, nada de ponto final. Um grande beijo a todos que ainda vivem aqui e levam em seus corações alguém que nunca irá morrer.

Anita Safer

domingo, 20 de setembro de 2015

Pitaco 1 - Vá a um show

Qual foi a última vez que você foi a um show? Esses dias tá rolando o Rock'n Rio. Muita gente postando, Rock'n Rio eu vou! Que bom pra quem pode viver esse momento. Ver grandes astros do rock deve ser bão por demais. Só que eu não vou, você também talvez não. Então vamos encarar a realidade e curtir o que temos pra hoje. Shows que acontecem a todo momento em nossa cidade. Hoje eu fui num show do Falamansa, lá no Mané Garrincha. Tava muito lotado e eu tive alguns desafios. Um deles é que sou baixinha, então não dava pra ver direito porque TODOS na minha frente eram altos. Aliás, pra mim todo mundo é alto. Uma vez fui a um show e tinha um cara muito bêbado que começou a ficar invocado com a minha "baixeza" e resolveu me proteger, ele empurrava todo cidadão que se atrevesse a ficar na minha frente e gritava "Sai da frente dela, não vê que ela é baixinha? Coitada!". Eu queria matar o homem, apesar de toda a boa vontade que ele tinha. Confesso que hoje me deu uma saudade doida dele...rsrs. O fato é que vi que já não tenho muita estrutura (tudo bem - idade, disposição, estatura...) de ir nesses shows onde a gente fica em pé, com pessoas de tudo o que é lado. Você olha pra um lado tem multidão, pra trás, multidão, pra frente, multidão e TODOS altos. Mas mesmo em shows que são assim agoniados vale a pena ir quando você tem uma amiga chamada Márcia pra ir com você. A gente ri de tudo. Ri porque tá cheio, ri porque atrás do cara que tá dançando super bem tem outro dançando super mal, um contraste, embora o importante é que estavam todos super animados e diversão é o que importa. Ri da nossa falta de condicionamento pra encarar o show. Ri porque não conseguimos assistir ao show até o fim; mas vamos contar vantagem de que fomos ao show.
Márcia e eu saindo do show
No nosso caso não fomos ao Rock'n Rio, estamos mais pra Oh quem riu... Sinto que estou mais pro estilo de show em que posso ficar bem acomodada, sentadinha, de preferência sem nenhum pescoçudo na minha frente. Com cadeira numerada, então, eu piro. Em resumo, tô velha. Mas uma velha que aprecia a cultura, por isso sugiro que todo mundo vá mais a shows. Existe muita gente boa fazendo música na cidade. Se você tá desfavorecido financeiramente no momento, existem shows gratuitos e maravilhosos também. Tem os eventos do T-Bone, alguns shoppings promovem shows, o CCBB também tem alguns 0800 de vez em quando. Quando puder, vale a pena ostentar e ir num show que você só vai ter a oportunidade de ir uma vez na vida, como foi o caso do show que fui do Hugh Laurie (o ator que faz o Doctor House, no seriado médico americano). Eu nem sabia que ele era cantor e músico de jazz. Mas minha amiga Simone é apaixonada por ele (eu entendo perfeitamente o porquê - tomara que ela não acabe nossa amizade de muitos anos por causa dessa pequena confissão) e tive que fazer o "sacrifício" de acompanhá-la. E esse show deu trabalho, porque ele veio ao Brasil, mas não viria em Brasília. Tive que usar todo o meu poder mental, estilo O Segredo, pra fazer com que a cidade fosse incluída na turnê. Portanto, este é meu primeiro Pitaco. São muitas coisas que devemos fazer pra tornar nossa vida mais interessante, ir a shows é uma delas. Vá no tipo de show que te agrada, existem de todos os tamanhos, estilos e espaços. O importante é aproveitar a vida, pois enquanto estamos vivos O SHOW DEVE CONTINUAR... Ai, que comentariozinho horrível!

Anita Safer

terça-feira, 21 de julho de 2015

Isso me deixa feliz?

Foto: Érica
Adoro ler livros sobre arrumação de casa, porque tenho a ilusão de que o fato de ler vai fazer com que minha casa fique arrumada num toque de mágica. O mesmo acontece com livros, revistas e blogs de emagrecimento. Só de olhar, principalmente quando tem fotos de antes e depois, me sinto magérrima. Loucura à parte, terminei de ler um livro que me deixou toda empolgada: A Mágica da Arrumação (A arte japonesa de colocar ordem na sua casa e na sua vida), de Marie Kondo. A palavra mágica no título até brilhou quando vi o livro na livraria. Pensei - que maravilha, agora sim, minha casa vai ficar organizada. A verdade é que milagres não existem e o jeito é colocar a mão na massa. Gostei muito do livro, achei a proposta interessante. A ideia é a seguinte. Você deve arrumar a casa por itens e de forma radical. Por exemplo, você pega todas as roupas da casa, peça por peça, toca o tecido e se faz a pergunta: Isso me deixa feliz? Se a resposta for sim, você fica com a peça. Se for não,ou talvez, despeça-se da roupa e deixe que ela vá embora. Não adianta querer manter aquela roupa de quando você tinha lindos vinte anos e um corpinho maravilhoso, na intenção de emagrecer e voltar a usá-la. Ela te fez feliz naquela época, hoje deve até te deprimir, sinceramente, então, tchau pra ela. Assim você vai fazendo com todas as coisas na casa. Livros, acessórios, objetos diversos. Tudo, tudo, tudo. Meu filho Bruno tá desconfiado com essa história, ele disse que não vai ficar pegando roupinha e perguntando se ela o faz feliz. Isso é estranho demais pra ele. Faz sentido, é mesmo bizarro. Mas tô empolgada. Quero ver como será essa experiência. O livro tem várias outras dicas, de como arrumar uma gaveta, por exemplo. Tenho medo de me animar demais e levar ao pé da letra, olhar pra minha gatinha, Jackeline, e perguntar se ela me faz feliz, justamente no momento em que ela tá com aquela cara medonha de bandida enfiando as unhas no meu sofá. Vai que eu me deixo levar pelo momento e jogo ela num saco pra doar. Brincadeirinha, amo a doidinha. Mas treinar esse desapego é muito bom. Assim como os objetos, são milhares de coisas que sei que entulham a minha vida. Sentimentos, atitudes e pensamentos que não me servem mais e estão tomando espaço na minha vida. Mexer com as coisas é terapêutico. Não digo que vou virar uma dona de casa de verdade, são anos cultivando meu lado bagunceiro. Talvez seja só a síndrome de recém aposentada, como diz uma amiga. Mas vou dar uma chance pra Marie Kondo, afinal, a coitadinha tem apenas 2 milhões de livros vendidos, devo dar a ela a oportunidade de salvar uma alma.

Anita Safer

domingo, 10 de maio de 2015

João Pessoa, quero lhe usar.

Foto: Ludmila
Estou prestes a aposentar. Depois de ver tantas matérias dizendo que João Pessoa é o melhor lugar para viver depois de aposentar, resolvi conferir. Nem sei se tenho coragem de sair de Brasília. Neste momento nem mesmo sei se há vida após a aposentadoria.
Bem, voltando à João Pessoa... Se eu já fosse aposentada feliz e saltitante, e não fosse tão medrosa, lá seria um ótimo lugar para morar. É certo que fiquei poucos dias. Viagem é como relacionamento amoroso, no início tudo é tão lindo! 
Desse meu breve flerte com a cidade gostei de muitas coisas. Lá você pode fugir da monotonia, pois a capital tem tripla personalidade, pelo menos. Tem a parte histórica, que é linda, a gente viaja no tempo. Adoro um toque de coisas antigas (pausa pra minha tradicional piscadela para o George Clooney). É muita história naquelas paredes, prédios, igrejas. Me fascina. Minha mente busca o início de tudo. Imagino a chegada dos portugueses pelo rio Paraíba. Aliás, Paraíba significa rio de difícil navegação. Mas parece doce e fácil de navegar... olhando da terra firme, pois sou medrosa quando se trata de água. Lá aprendi que a expressão "fazer nas coxas" não tem nada a ver com o que a minha imaginação marota supunha. A origem da expressão veio de quando as telhas era feitas pelos escravos. Aquelas telhas pequenas e de barro. Eles usavam a coxa como molde. Como as coxas eram diferentes, as telhas não ficavam perfeitamente iguais e a justificativa é que tinham sido feitas "nas coxas". Foi o que me contaram lá, achei interessante, entre outras coisas.
O centro da cidade só vi rapidamente. Cheio de praças e com uma boa estrutura.
Agora, a orla, gente. QUE ORLA! As praias são lindas. O mar é calmo e morno. Calçadões sem fim, para caminhadas longas; fiz curtindo a maravilhosa seleção musical que minha norinha Liana preparou especialmente para este momento.
O lugar todo respira forró da melhor qualidade. Quase tive um troço porque o forró de lá é pra gente grande, ô forró arretado!
Muito artesanato, muitos artistas de qualidade.
De quebra fiz ótimas amizades, como é o caso da mineira Ludmila - que gentilmente cedeu a foto deste post - e sua mãe, que está aposentada e, acredite, extremamente viva, o que me encheu de esperanças no futuro.
Resumo da história, pretendo voltar outras vezes. Prepare-se João Pessoa, quero lhe usar.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Analisando...




Foto: Arquivo Pessoal
Uma vez li um livro interessante chamado Mentiras no Divã, de Irvin D. Yalom. É a história de uma mulher que fica revoltada porque o marido resolve abandoná-la depois de fazer terapia. Ela decide, então, vingar-se do terapeuta. Esta é a trama principal, mas trata também de outros assuntos, como a relação interpessoal no ambiente terapêutico, ética e outros mais. O que achei legal foi a reviravolta que aconteceu na vida dela enquanto tentava “enganar” o terapeuta. Diz a música do Legião Urbana que “mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira”. Isso é verdade. Fiz terapia algumas vezes, em momentos pontuais, onde precisava de ajuda para lidar com algo naquele momento. E digo a vocês, foi a melhor coisa que pude fazer. Certas dores são muito difíceis de encarar e eu precisava de alguém neutro, que me ajudasse a encontrar uma forma de vivenciar aquela avalanche de sentimentos. Sem dispensar o ombro amigo das pessoas que me amavam, claro, que também foram e sempre serão fundamentais em minha vida.

Agora parti para um mergulho mais profundo. As dores superficiais já haviam sido aliviadas. Então era hora de remexer naquelas gavetas velhas que nunca foram organizadas. Cheias de poeira e traças. Estou fazendo psicanálise. Deste baú tenho começado, aos poucos, a jogar coisas fora. São certezas, medos infundados (na verdade nem eram infundados, eles foram verdadeiros naquele momento, mas não preciso carregá-los indefinidamente, preciso dar espaço para novos...rs); impressões de uma menina assustada que fui e ainda sou.

O início de um processo terapêutico é difícil. Vou fazer uma analogia, como sempre... Quando reformaram a portaria do meu prédio - que ficou linda, por sinal – eu fiquei indignada porque colocaram uns espelhos enormes e eu tinha que me deparar com minha imagem inteira, toda gordinha, refletida. Eu só gostava de olhar pra espelhos minúsculos que mostrassem apenas meus belos olhos ou meu sorriso encantador. Ao fazer análise aconteceu a mesma coisa; comecei a me ver inteira, as partes agradáveis e as detestáveis. Mas aos poucos vou me observando, me vendo por vários ângulos e me conhecendo. Posso fazer alguns retoques aqui e ali, onde for possível e desejável. Outras coisas eu vou aprendendo a aceitar como parte do que sou. Hoje entendo porque escolhi o nome do meu blog EIS O QUE NÃO SEI, tenho muito ainda o que descobrir e agora sei que não preciso saber de tudo.

Um amigo disse que não faz terapia porque sabe tudo o que o terapeuta vai dizer. Quem dera fosse assim, que alguém nos desse todas as respostas, tirasse todas as nossas angústias e resolvesse todos os nossos problemas. Outra pessoa me disse: Eu não vou fazer terapia, pra que? Pagar um dinheirão pro terapeuta dizer que sou eu quem tem que encontrar as respostas? Tô pagando pra que? hahahaha. Mas esta falou de brincadeira. Confesso que tinha medo de me transformar naquelas pessoas que usam a terapia pra falar tudo o que querem, do tipo - Comigo não, agora sou uma pessoa analisada e por isso blábláblá... Despejar anos de frustrações e ressentimentos. Ao contrário disso, tenho tido mais consciência das minhas limitações, o que de alguma forma, me ajuda a compreender um pouco mais as limitações dos outros. Aprender a dizer não é um outro desafio; mas não é justo dizer sim para não magoar o outro quando este mesmo sim me magoa ou não é verdadeiro. Outras vezes me compadeço tanto com a dificuldade do outro que me sinto na obrigação de fazer algo para aliviar a sua dor. Mas existem dores que apenas o outro pode carregar, não posso fazer isso por ele, assim como ninguém pode carregar as minhas. Cada um tem a sua forma de vivenciar suas experiências. Isso é muito individual. Sei que é bom procurar alívio para as dores, sejam elas de ordem física, mental ou espiritual. Eu só tenho a agradecer a pessoas como Wallace, Luciana Leite e Tales (terapeutas e analistas)
Nessa viagem que é a vida é muito bom contar com o apoio de profissionais como eles, que ajudam as pessoas a se livrar do excesso de bagagem.

Anita Safer