Dia de finados. Vou ao cemitério com a Clélia, minha irmã. Vou todos os anos, minha mãe me criou com esse ritual. Ela comprava velas, flores, rapé (é, ela cheirava rapé) e íamos visitar meu pai, que morreu quando eu era criança. Mas ela não ia tristonha e abatida, ia toda linda. E prática. Mandou colocar um banquinho perto do túmulo pra gente sentar. Dizia que quando ela se fosse deveríamos mandar fazer uma arquibancada, pois a família é grande (assim como a auto estima dela...rs). Hoje a visita foi pra ela, pro meu pai e pra meus irmãos Cleo e Clésio.
Lembrando assim da minha mãe não consigo associá-la, ou aos outros, à palavra "finados". Finado - adjetivo que qualifica algo ou alguém que finou, que chegou ao fim. Eles estão longe de terem chegado ao fim. Meu pai ainda hoje é um enigma que minha mente infantil busca decifrar, no meu eterno Complexo de Electra, uma vez que ele morreu quando eu era ainda muito pequena. A minha doce Cleo está viva com sua dancinha charmosa e sua generosidade sem fim. Ela e seus presentes otimistas, como quando nos dava um chaveiro para colocarmos as chaves do carro que ela afirmava que iríamos ter (embora nossa realidade financeira não concordasse com esta possibilidade). O Clésio está vivo no seu jeitinho próprio de prender o cigarro com os dentes, como se fosse extensão de sua pessoa e no ato de jogar os bebês pro alto, beemmm pro alto, pra alegria dos bebês e desespero total das mães. Permanece muito vivo em suas canções espetaculares e no meu coração. Minha mãe, então, é como Elvis, não morreu.
No fim das contas, quem amamos não morre nunca. Como morre o amor? Só vivemos um afastamento momentâneo que nos deixa cheios de saudade.
Hoje fomos ao cemitério e não compramos rapé (não herdamos este hábito), mas sentimos a presença prática de nossa mãe mostrando que a lápide quebrou de ladinho e que precisamos gravar o nome de nosso irmão, o que ainda não fizemos; acho que porque resistimos, inconscientemente, à sua morte. Mas, vendo agora que a morte não significa que quem amamos é FINADO, vou terminar este texto com reticências, nada de ponto final. Um grande beijo a todos que ainda vivem aqui e levam em seus corações alguém que nunca irá morrer.
Anita Safer